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A invasão russa da Ucrânia em 2022 deu origem à maior catástrofe humanitária da Europa contemporânea. Milhões de ucranianos, na sua maioria mulheres, crianças e outros grupos vulneráveis, viram-se obrigados a abandonar o país. Como garantir que as crianças que fogem à guerra não abandonam os estudos?

O amanhecer do dia 24 de fevereiro de 2022 marcou uma nova página na história da Europa dos dias de hoje. A maioria das pessoas não pôde acreditar quando viu um país lançar um feroz ataque militar contra uma nação vizinha. À hora a que os tanques russos cruzavam a fronteira ucraniana, os habitantes da Estónia ainda estavam a dormir: 24 de fevereiro é feriado nacional na Estónia em celebração da independência.

O Dia da Independência da Estónia celebra-se desde 1918 e é pontuado por desfiles, festejos e concertos. A bandeira da Estónia desfralda-se todos os anos na torre da zona antiga de Taline. Em 2022, a notícia da vasta operação militar contra a Ucrânia trouxe à memória dos estónios a ocupação que os países bálticos sofreram durante cinquenta anos, entre 1940 e 1990, e gerou uma onda de solidariedade e de verdadeira preocupação.

Na manhã de 24 de fevereiro, as autoestradas ucranianas encheram-se de carros: os engarrafamentos formaram-se depressa por causa das pessoas que começaram a fugir do país. Há inúmeras histórias de maridos e de pais que conduziram as suas famílias até à fronteira, se despediram e regressaram para apoiar o exército da Ucrânia. A Internet está repleta de imagens de pessoas a fugir em comboios apinhados ou caminhando centenas de quilómetros até à fronteira com a Polónia. Estas pessoas levam apenas um pequeno saco, menor do que o que levaríamos por norma numa viagem de dois dias. Uma manta, bolachas, animais de estimação e o passaporte. A maioria das crianças traz um peluche nas mãos. Há uma fotografia comovente de uma mulher a carregar o seu cão, demasiado fraco para conseguir andar. Mães com bebés ao colo. Um menino de nove anos que caminhou centenas de quilómetros levando apenas um número escrito na mão: o telefone dos seus parentes na Eslováquia.

Cerca de dois meses depois da invasão, estima-se que mais de 4 milhões e meio de ucranianos saíram do país, partindo para nações europeias . Muitos preferem não se afastar sobremaneira: querem regressar à sua pátria assim que possível. Os países de acolhimento demonstraram alguma solidariedade, oferecendo asilo aos refugiados.

Em meados de abril, 29 600 ucranianos chegaram à Estónia. Estes refugiados são na sua maioria mulheres, crianças e idosos, e há mais a caminho. Estão exaustos e passaram por experiências traumáticas. O país de acolhimento deve garantir que se sentem em segurança, ajudá-las a encontrar uma ocupação e proporcionar às crianças o direito fundamental à educação.

Esta é a primeira vez que o sistema educativo da Estónia tem de integrar na sua oferta educativa tal volume de refugiados num período tão curto. Como enquadramento, é importante referir que a Estónia tem 1,3 milhões de habitantes e cerca de 156 mil estudantes. Para ajudar as crianças ucranianas, a Estónia pretende encontrar escolas que as acolham e criar soluções digitais que ofereçam aulas virtuais em ucraniano. Por outro lado, refugiados que sejam professores serão integrados no sistema educativo, e pedir-se-á ajuda a professores estónios reformados ou em formação. Criou-se, em paralelo, um plano imediato e outro a longo prazo: o mais premente procura ocupar já as crianças, ensinar-lhes o idioma, oferecer apoio psicológico e deixar que se ambientem à nova realidade. O plano a longo prazo será posto em prática caso elas permaneçam na Estónia a médio prazo e possam iniciar uma instrução mais formal no próximo período escolar.

Há um assunto em particular que trouxe alguma controvérsia a este desafio: a questão de qual a língua na qual as crianças ucranianas irão aprender. A Estónia tem escolas que lecionam em estónio e em russo. Cerca de 25% da nossa população fala russo e frequenta escolas russas. O ponto sensível aqui é que parte da população estónia-russa segue a imprensa estatal russa e apoia Putin. Por outro lado, há russos que acreditam que a Estónia é o melhor país para se estar, e nunca aceitariam viver na Rússia ou num país onde não há liberdade de expressão. Para evitar o bullying e conflitos que possam surgir por causa das diferentes origens e nacionalidades dos alunos, talvez não seja boa ideia pôr as crianças ucranianas em escolas onde se fale russo. O ministro da Educação e Desenvolvimento anunciou logo à partida que as crianças ucranianas deviam aprender em estónio. Temos programas de imersão linguística, que são uma forma eficaz de aprender uma língua estrangeira, a decorrer há vários anos. Ainda assim, o sistema educativo da Estónia confere aos pais autonomia para escolherem a instituição educativa que os filhos irão frequentar. O plano de abrir uma escola ucraniana onde se ensinem todas as línguas também foi posto em marcha.

O desafio dos refugiados representa um processo de aprendizagem árduo tanto para aqueles que chegaram ao país como para os que os acolhem. Os estónios estão a tentar compreender quais as bases educativas das crianças ucranianas, os programas disciplinares seguidos na Ucrânia, e qual a melhor forma de adaptar os dois sistemas. Especialistas ucranianos criaram materiais didáticos e sugestões sobre como prosseguir com a instrução das crianças à distância. A cooperação entre os países de acolhimento na região é fundamental.

A sociedade estónia está preocupada com a situação atual na Ucrânia: as pessoas temem o pior para o futuro da região ou um possível agravamento do conflito, e há inúmeras incertezas. As escolas têm organizado palestras sobre temas como a guerra, a paz ou a perda. Numa tentativa de manter os alunos informados, organizam aulas suplementares sobre os meios de comunicação, onde se explica como distinguir notícias falsas de informações divulgadas por fontes credíveis. A tensão e as preocupações sobre a guerra na Ucrânia atingem crianças de todas as idades. Educadores do ensino pré-escolar contaram que as crianças pequenas inventaram um novo jogo: Putin e os ucranianos. Falam sobre como encontrar o abrigo antibombas mais próximo e de como este seria por dentro, e algumas crianças recusam-se a adormecer e dizem que não querem morrer durante a noite. E estes são meninos que não testemunharam a guerra.

Será que já é possível retirar daqui conclusões para os sistemas educativos? Haverá habilidades e capacidades que temos de ter em conta ao preparar as mentes dos mais jovens para as incertezas do futuro? Ninguém quer imaginar as dificuldades que as crianças ucranianas sentem neste momento, mas nas nossas vidas podem surgir calamidades e acontecimentos inesperados aos quais teremos de reagir e que precisaremos de superar. Será necessário apender a fazê-lo.

Os estónios criaram uma aplicação chamada «Sempre a postos» (Ole valmis!) que mostra uma lista de acidentes que podem ocorrer e instruções sobre o que fazer em cada situação. A lista inclui temas como a prevenção de incêndios, desastres naturais, riscos de segurança, guia de sobrevivência na floresta, primeiros socorros, entre outros. Nas últimas semanas, o número de pessoas que descarregou esta aplicação aumentou de forma significativa. Tendo em conta o exemplo das crianças ucranianas, podemos concluir que capacidades como a resiliência, a determinação, a tenacidade e a perseverança são essenciais. De um modo geral, aqueles que dominam idiomas estrangeiros, que conhecem o contexto dos conflitos militares e que estão em boa forma física têm mais vantagens para lidar com atrocidades deste género.

Viktor Frankl, um psicólogo que sobreviveu aos campos de extermínio nazis, escreveu: «Não podemos controlar aquilo que acontece à nossa volta, mas podemos sempre controlar a maneira como respondemos a esses acontecimentos.» Frankl afirmou também que a vida não é uma busca pela satisfação nem pelo poder, mas sim por um propósito. Esse propósito pode estar no trabalho, no amor e no cuidado dos outros, ou até na coragem em tempos difíceis.

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