Os professores desempenham um papel crítico no ensino da leitura. Afinal, «os resultados científicos não ensinam as crianças a ler. Os professores, sim» (no original, «scientific findings do not teach children to read. Teachers do.»; Piasta & Hudson, 2022, p. 1). Com base na investigação mais recente em leitura, Piasta e Hudson (2022) destacam nove conhecimentos-chave acerca da consciência fonológica e da instrução fónica que os professores do 1.º ciclo do ensino básico devem dominar:
1. A consciência fonológica e a instrução fónica estão intimamente relacionadas
A consciência fonológica consiste muito simplesmente na capacidade de distinguir e manipular os sons da fala, como as sílabas, as rimas e os fonemas. Por sua vez, a instrução fónica refere-se ao ensino do domínio dos sons das letras (como saber que a letra
De acordo com a literatura, as crianças, à medida que aprendem a ler, associam os fonemas às letras correspondentes, isto é, estabelecem uma ligação entre os sons e as letras (consciência fonológica). Este processo requer, salvo raras excepções, um ensino explícito, sistemático e persistente, denominado instrução fónica. A consciência fonológica e a instrução fónica estão, por esta razão, intimamente relacionadas.
2. O desenvolvimento da consciência fonológica e a fonética requerem compreensão da linguagem oral
A consciência fonológica e fonética englobam diversos sistemas de linguagem que os professores devem dominar: fonologia, sintaxe, morfologia, semântica e pragmática. De acordo com a literatura, a fonologia corresponde muito simplesmente ao sistema sonoro de uma língua. O desenvolvimento da consciência fonológica das crianças requer, por isso, que os professores tenham um conhecimento profundo da fonologia. Porquê, exactamente? O conhecimento acerca da fonologia permite aos professores seleccionar, de forma adequada, as palavras a leccionar na sala de aula e, não menos importante, a analisar a evolução dos alunos nas tarefas de sensibilização fonológica. Além disso, é fundamental os professores serem capazes de pronunciar, de forma clara e precisa, todos os fonemas para que produzam apenas um som: por exemplo, pronunciar /t/ em vez de «teh».
Tal como Piasta e Hudson (2022) referem, a fonética não consiste apenas na fonologia. Inclui outros sistemas, como a ortografia. Ao contrário da aprendizagem da linguagem oral, para a qual a exposição é, geralmente, suficiente (e.g., as crianças podem aprender vários fonemas e o significado de diversas palavras, sem instrução explícita), a compreensão da ortografia requer ensino e, não menos importante, treino ou prática. O domínio das correspondências grafo-fonológicas é de extrema importância, uma vez que a pronúncia correcta das palavras permite às crianças aceder ao significado e estabelecer ligações conceptuais entre elas. Por exemplo, depois de a criança ler «caixa de ferramentas», pode concluir: «A minha mãe tem uma caixa de ferramentas! Dentro da caixa há um martelo e uma chave de fendas!» Estas ligações referem-se, muito simplesmente, ao sistema semântico da linguagem, isto é, ao significado das palavras e às relações entre elas.
A fonética ensina, também, aspectos mais complexos da ortografia, como as regras de escrita (e.g., em português, as palavras não terminam com
A consciência fonológica consiste muito simplesmente na capacidade de distinguir e manipular os sons da fala.
3. A leitura requer o estabelecimento de ligações entre os sistemas ortográfico, fonológico e semântico
De acordo com Piasta e Hudson (2022), o Modelo dos Quatro Processadores (Adams, 2013; figura 1) descreve como os sistemas ortográfico, fonológico e semântico interagem durante a leitura. Segundo este modelo, quando as crianças lêem, a informação visual das palavras impressas é recebida pelo processador ortográfico. Especificamente, as letras de uma palavra são processadas visualmente. No entanto, este processamento varia de acordo com a familiaridade do leitor com as palavras. Isto é, quando o leitor depara com uma palavra familiar (que já leu muitas vezes), o processador ortográfico activa directamente o processador semântico, através do qual se acede ao significado da palavra. Porém, o mesmo não sucede com palavras desconhecidas. Estas palavras requerem a activação do processador fonológico (que traduz informação ortográfica em informação fonológica), para aceder ao significado. Nestes casos, o processador fonológico, juntamente com o processador ortográfico, activa o processador semântico.

Figura 1. - Modelo dos Quatro Processadores (Adams, 2013)
Segundo Adams (2013), a activação simultânea dos três processadores (a partir da qual ocorre o emparelhamento da forma visual da palavra impressa com a pronúncia e significado) é o que permite ao leitor alcançar uma leitura fluente. Por sua vez, o processador contextual ajuda a assegurar que o que é lido faz sentido para o leitor. De acordo com a literatura, a importância deste processador é muito clara, por exemplo, na leitura de palavras homógrafas (isto é, palavras com a mesma grafia mas com pronúncia e significado diferentes), uma vez que fornece activação extra ao significado implícito no contexto da frase. Além disso, o processador contextual permite activar, com base no conhecimento prévio e na experiência do leitor, determinados aspectos do significado de uma palavra, para que a informação mais relevante de um texto seja destacada.
4. O ensino eficaz da consciência fonológica apoia o desenvolvimento da consciência fonémica e o estabelecimento de ligações entre grafemas
De acordo com a literatura, o ensino da consciência fonológica deve apoiar o desenvolvimento da consciência fonémica (figura 2), isto é, a capacidade de manipular fonemas individuais. Piasta e Hudson et al. (2022) destacam duas ideias fundamentais acerca do desenvolvimento desta capacidade: i) o ensino da consciência fonémica pode focar-se inicialmente em unidades sonoras maiores e, mais tarde, em unidades menores; ii) identificar sons (e.g., «Qual é o primeiro som da palavra “ferramenta”?») é mais fácil do que combiná-los (e.g., «Tenta identificar a palavra composta pelos sons /g/ /a/ /t/ /o/»); porém, combinar sons é mais fácil do que segmentá-los (e.g., «Diz-me os sons que compõem a palavra “caixa”») e eliminá-los (e.g., «Se eliminarmos o som /a/ na palavra “casa”, que palavra formamos?»).
Segundo Piasta e Hudson (2022), embora seja necessária mais investigação acerca do ensino sequencial da consciência fonémica, a instrução pode centrar-se inicialmente na identificação ou correspondência de sons e posteriormente direccionar-se para a combinação e segmentação. Além disso, pode ser muito benéfico para os alunos interligar o desenvolvimento da consciência fonémica com o ensino das letras. Por exemplo, quando as crianças forem capazes de identificar os fonemas iniciais das palavras (e.g., /s/ em «sol» e «solidão»), os professores podem ensinar as letras geralmente associadas a cada um dos fonemas (e.g., /s/ é representado pela letra).

Figura 2. - Desenvolvimento da consciência fonológica
5. A instrução fónica ensina os padrões e regularidades da ortografia
As palavras assentam num contínuo de regularidade que depende do conhecimento ortográfico e fonológico do leitor. A instrução fónica assume, por esta razão, um papel muito importante quer na aprendizagem da leitura e escrita de palavras menos regulares, quer no mapeamento ortográfico das palavras com que as crianças deparam. De acordo com a literatura, o objectivo da instrução fónica consiste especificamente em equipar as crianças com conhecimentos e estratégias para ler e escrever palavras que desconhecem e, a partir da exposição repetida e do mapeamento ortográfico, adicioná-las ao vocabulário. Assim, a instrução fónica deve envolver as crianças em tarefas de nível superior, como: a) reflectir sobre as palavras, as correspondências grafo-fonológicas e os padrões ortográficos; b) analisar a pronúncia e escrita das palavras; e c) analisar a relação das palavras com o respectivo significado.
6. A instrução fónica deve começar pelo ensino do alfabeto
As crianças começam a compreender a ligação entre os sons da fala e as letras quando aprendem o alfabeto. O princípio alfabético, isto é, o conhecimento de que as letras representam os sons da fala, constitui, por isso, a base da aprendizagem das correspondências grafo-fonológicas. De acordo com a literatura, o ensino explícito do alfabeto, a partir do qual os professores apresentam as letras e ensinam o nome e som correspondentes, é o método que produz melhores resultados na aprendizagem.
7. A instrução fónica eficaz é explícita e sistemática
O ensino explícito consiste, muito simplesmente, em explicar de forma clara um conceito, modelar a sua aplicação e permitir que os alunos apliquem o que aprenderam. O ensino sistemático consiste, por sua vez, num ensino sequencial específico, que se baseia nas aprendizagens anteriores e progride dos conteúdos mais simples para os mais complexos.
De acordo com a investigação mais recente, pode ser benéfico para as crianças aprenderem gestos articulatórios (isto é, como a boca e as cordas vocais produzem sons específicos) e dígrafos comuns, em vez de se focarem exclusivamente na aprendizagem das correspondências entre as letras e os sons da fala. Além disso, a instrução fónica deve basear-se num processo de instrução-avaliação e, principalmente, ajustar-se às necessidades de aprendizagem de cada criança.
8. O desenvolvimento da consciência fonológica e a instrução fónica devem ter em conta a diversidade linguística
É cada vez mais frequente encontrar alunos cuja língua materna não é a língua de instrução. De acordo com Piasta e Hudson (2022), estas situações exigem particular atenção dos professores, uma vez que as correspondências grafo-fonológicas, os sons e os padrões ortográficos das diversas línguas, podem exigir ensino adicional em termos de tempo, intensidade e treino. Além disso, é fundamental prestar atenção aos sons que não existem nas línguas maternas das crianças. Por exemplo, no espanhol não existe o som /j/ e, no vietnamita não existe o som /w/.
9. A consciência fonémica e a instrução fónica são necessárias, mas insuficientes
A consciência fonémica e a fónica constituem indubitavelmente dois componentes críticos da aprendizagem da leitura e escrita. Porém, não são suficientes. De acordo com Piasta e Hudson (2022), a leitura e a escrita constituem dois processos complexos que envolvem diversos componentes, como a compreensão e a motivação.
Bibliografia
Piasta, S. B., & Hudson, A. K. (2022). Key knowledge to support phonological awareness and phonics instruction. The Reading Teacher. 0(0), 1-10. https://doi.org/10.1002/trtr.2093
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