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Introdução

Os educadores apelam, cada vez mais, à empatia e justiça social em relação às populações historicamente marginalizadas. Segundo os educadores, estas populações estão sub-representadas nos temas abordados na sala de aula. Neste sentido, abordar histórias que tratam questões promotoras da consciencialização das desigualdades sociais, dos preconceitos e das injustiças assume um papel fundamental.

De acordo com a literatura, a leitura pode dar origem a diversas discussões temáticas. Segundo Ricks et al. (2023), a partir de livros ilustrados, os adultos podem expandir as percepções das crianças acerca do mundo e dos indivíduos que nele habitam. Além disso, a partilha destes livros com as crianças permite-lhes desenvolver o conhecimento prévio e o vocabulário e, não menos importante, aumentar a motivação para explorar determinado tema.

Ricks et al. (2023) apresentam três métodos de emparelhamento de livros ilustrados que os educadores podem adoptar para envolver os alunos em discussões temáticas.

REFLICTA ACERCA DAS SEGUINTES QUESTÕES

  1. Que métodos costuma utilizar na seleção de livros ilustrados para envolver as crianças em discussões acerca de questões como a raça, a identidade de género e as diferenças socioeconómicas?
  2. Na sua opinião, de que forma o emparelhamento de livros ilustrados pode orientar as crianças para análises mais profundas acerca do mundo que as rodeia?
  3. De que forma gostaria de expandir as suas práticas de seleção e emparelhamento de textos
    culturalmente relevantes?

Método 1 — emparelhamento de texto como cimbramento (no original, scaffold)

O emparelhamento de texto como cimbramento deve ser utilizado quando um dos livros parece ser mais complexo do que o outro. Ricks et al. (2023) apresentam o exemplo de duas histórias intimamente relacionadas. Uma aborda a deslocação forçada durante a Segunda Guerra Mundial, e a outra, o encarceramento de nipo-estadunidenses na mesma época. Ambas retratam a confusão e o medo que as crianças sentiram ao verem, atrás de um muro de arame farpado, as suas casas invadidas por guardas armados, que se asseguravam de que a população não fugiria. Especificamente, o livro Baseball Saved Us, de Ken Mochizuki (1993), aborda a história de como o basebol ajudou um povo encarcerado a lidar com a situação em que se encontrava. Por sua vez, o livro Home of the Brave, de Allen Say (2002), explora a viagem de caiaque a um campo com crianças japonesas que imploravam voltar para casa e, mais tarde, a uma reserva com crianças indígenas (dois povos deslocados à força) que também queriam regressar a casa.

Segundo Ricks et al. (2023), os educadores podem combinar as histórias, uma vez que a leitura de uma pode estimular o envolvimento das crianças na leitura da outra. Em particular, a leitura do primeiro livro pode constituir uma ponte para a leitura do segundo, uma vez que o primeiro, consistindo numa história mais simples, pode levar as crianças a envolverem-se com histórias tematicamente mais complexas, como a abordada no segundo livro.

Método 2 — emparelhamento entre iguais

Ao contrário do emparelhamento de texto como cimbramento, o emparelhamento entre iguais deve ser adoptado quando os livros seleccionados, além de abordarem o mesmo tema, têm níveis semelhantes de complexidade. Ricks et al. (2023) apresentam, mais uma vez, o exemplo de duas histórias, também elas intimamente relacionadas, que exploram a forma como determinadas perguntas podem fazer as pessoas sentirem-se estimadas ou indesejadas. O livro The Day You Begin, de Jacqueline Woodson (2018), explora as diferenças de cabelo, cor da pele, vestuário, nome, língua ou sotaque, escolhas alimentares, estatuto socioeconómico e capacidades que têm o potencial de conduzir à inclusão ou, por outro lado, à exclusão. A história aborda, genericamente, a coragem e o esforço necessários para se fazer parte de determinados grupos e, por vezes, se afastar deles. Por sua vez, o livro Where Are You From?, de Yamile Saied Méndez (2019), explora a história de uma menina a quem perguntam o país de origem, uma vez que os pares a consideram diferente deles.

Ricks et al. (2023) referem que os educadores podem articular as histórias apresentadas, visto que ambas requerem do leitor esforço e envolvimento semelhantes. Além disso, as histórias não precisam de ser lidas numa ordem específica para orientar a compreensão dos leitores. Ambas são igualmente acessíveis em vocabulário, estrutura narrativa, género e ilustrações.

Método 3 — emparelhamento distante

O emparelhamento distante deve ser utilizado quando as ligações temáticas entre os livros seleccionados são menos óbvias ou directas. Tal como na apresentação dos métodos anteriores, Ricks et al. (2023) indicam duas histórias estreitamente relacionadas. Genericamente, os livros Look Up!, de Jin-Ho (2014), e I Talk Like a River, de Jordan Scott (2020), exploram a história de pessoas com deficiência. Referindo-se às mesmas como «uma de nós» em vez de «uma delas», ambos visam promover a empatia e a aceitação, em vez de sentimentos de piedade e atitudes de rejeição. Especificamente, o livro Look Up! aborda a história de um indivíduo em cadeira de rodas que anseia ser compreendido e relacionar-se com os que o rodeiam, num mundo que parece privilegiar aqueles que conseguem movimentar-se mais facilmente. Por outro lado, o livro I Talk Like a River trata dos desafios que um indivíduo com gaguez depara no quotidiano.

Segundo Ricks et al. (2023), em comparação com os livros apresentados nos dois métodos anteriores, as relações entre Look Up! e I Talk Like a River são menos óbvias. Além disso, as suas mensagens são em parte dissonantes. Assim, ao contrário dos métodos de emparelhamento discutidos nos pontos anteriores, que visam, essencialmente, apoiar os leitores na identificação de temáticas comuns, o método de emparelhamento distante pretende apoiar os leitores na observação das principais diferenças entre as histórias (embora Look Up! e I Talk Like a River explorem a história de pessoas com deficiência, diferem, por exemplo, no que concerne ao tipo de deficiência e à forma como as personagens reagem à deficiência).

No Quadro 1, apresentam-se exemplos de perguntas em que os educadores se podem basear durante a aplicação dos métodos de emparelhamento na sala de aula.

 

Quadro 1. Exemplos de perguntas que os educadores podem fazer às crianças

Considerações finais

A leitura e discussão de histórias permite às crianças compreenderem o mundo que as rodeia e as pessoas que nele habitam. De acordo com Ricks et al. (2023), combinar textos a partir dos métodos apresentados permite criar espaços de discussão que ajudam as crianças a desenvolverem sentimentos de empatia e justiça social e, consequentemente, a tornarem-se agentes de mudança. No entanto, antes de conduzirem discussões temáticas na sala de aula, é fundamental os educadores prepararem-se e, principalmente, reflectirem acerca do tipo de perguntas que podem fazer às crianças.

Bibliografia

Ricks, P. H., Young, T. A., & Koford, S. (2023). Methods for selecting paired picture books for critical conversations. The Reading Teacher, 0(0), 1-9. https://doi.org/10.1002/trtr.2180

AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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