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Introdução

Saber ler constitui, inegavelmente, uma das competências mais importantes para se viver nas sociedades modernas. Embora a maioria das crianças seja bem-sucedida na aprendizagem da leitura, uma percentagem significativa depara com dificuldades, que podem basear-se na incapacidade de a) ler palavras através das correspondências grafo-fonológicas (precisão de leitura), b) ler palavras isoladas e/ou texto com precisão e fluência (fluência de leitura), e/ou c) compreender o significado daquilo que se lê (compreensão da leitura).

A par das dificuldades de leitura, a ansiedade constitui, tal como Francis et al. (2022) referem, um problema comum na infância. De acordo com a literatura, a ansiedade é uma emoção adaptativa, que se torna problemática quando os sintomas se manifestam de forma excessiva, se tornam persistentes e afectam o quotidiano da criança. Além disso, tal como as dificuldades de leitura, a ansiedade pode manifestar-se de diversas formas: a) preocupação excessiva em situações onde existe risco de embaraço ou avaliação negativa, como por exemplo, ler em voz alta na sala de aula (ansiedade social); b) preocupações persistentes em relação ao desempenho e competência, como o baixo desempenho escolar e cometer erros nas actividades de sala de aula (ansiedade generalizada); e/ou c) preocupação excessiva relativamente à separação da figura de vinculação, como por exemplo, medo de que os pais estejam em perigo (ansiedade de separação).

 

Estudo de Francis e colaboradores: enquadramento, objectivos e participantes

De acordo com Francis et al. (2022), a associação entre diferentes dificuldades de leitura e tipos específicos de ansiedade foi alvo de alguns estudos nos últimos anos. Segundo os autores, estes estudos verificaram que as dificuldades de leitura podem estar associadas a determinados tipos de ansiedade, como a ansiedade generalizada e a ansiedade de separação. Porém, o conhecimento sobre esta associação é ainda muito limitado. Por esta razão, Francis et al. (2022) analisaram a associação entre as dificuldades de leitura e tipos específicos de ansiedade, através da administração de avaliações exaustivas da leitura e da ansiedade. Com base em estudos anteriores, os autores presumiram relações negativas estatisticamente significativas entre: 1) precisão de leitura (de palavras e pseudopalavras) e ansiedade generalizada, social e de separação; e 2) fluência de leitura (de palavras e pseudopalavras) e ansiedade generalizada, social e de separação.

Participaram no estudo 284 alunos, do 2.º ao 6.º ano de escolaridade (média de idades = 9,30 anos), entre os quais 82 (28,8%) apresentavam dificuldades de leitura, 49 (17,3%) ansiedade e 108 (38%) dificuldades de leitura e ansiedade. Os restantes (n = 45; 15,9%) não apresentavam nenhuma destas problemáticas. Os alunos foram avaliados em termos de i) precisão da leitura (palavras regulares, pseudopalavras e texto), ii) fluência de leitura (palavras, pseudopalavras e texto), iii) compreensão da leitura, iv) ansiedade, v) comportamento, e vi) atenção e hiperactividade.

 

Principais resultados

Os resultados apoiaram parcialmente a hipótese de Francis et al. (2022). Especificamente, os resultados mostraram uma associação negativa significativa entre precisão de leitura de pseudopalavras e ansiedade social. De acordo com Francis et al. (2022), embora este resultado seja consistente com dois estudos anteriores, contrasta com outros dois, cujos resultados não mostraram uma associação significativa entre as duas variáveis. Apesar disso, os autores concluem que pode existir uma associação negativa entre capacidade de leitura de palavras e pseudopalavras e ansiedade social.

Os resultados mostraram também que, ao contrário do que outros investigadores haviam verificado, as dificuldades de leitura parecem não estar associadas a sintomas de ansiedade generalizada e de separação. Segundo os autores, é possível que os resultados discrepantes estejam relacionados com a idade dos alunos, principalmente no caso da ansiedade de separação. Mais especificamente, é possível, tal como Francis et al. (2022) referem, que a associação entre problemas na leitura e ansiedade seja influenciada pela idade dos alunos. Esta hipótese é apoiada por diversos estudos que verificaram que a ansiedade de separação é predominante nas crianças mais novas.

Por último, mas não menos importante, os resultados mostraram que parece não existir uma associação específica entre baixa fluência de leitura e ansiedade generalizada, social e de separação. Segundo Francis et al. (2022), estes resultados contradizem estudos anteriores, cujos resultados mostraram associações negativas entre fluência de leitura e ansiedade generalizada e de separação.

Em suma

Os resultados do presente estudo indicam uma associação negativa entre precisão de leitura (de palavras e pseudopalavras) e ansiedade social. Porém, estes resultados devem ser, segundo Francis et al. (2022), interpretados com cuidado, uma vez que esta associação é apenas parcial. Apesar disso, este estudo salienta um aspecto importante e ao qual deve ser dada particular atenção: as crianças com dificuldades de leitura têm uma probabilidade acrescida de manifestar sintomas de ansiedade.

Bibliografia

Francis, D. A., Hudson, J. L., Robidoux, S., & McArthur, G. M. (2022). Are different reading problems associated with different anxiety types? Applied Cognitive Psychology, 36, 793-804. https://doi.org/10.1002/acp.3970

AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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