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Ensino da leitura: exigências do século XXI

Nos últimos anos, a leitura tem sido alvo de múltiplos estudos. As conclusões destes trabalhos têm permitido uma compreensão mais detalhada acerca dos processos de leitura, exigindo aos professores níveis elevados de conhecimento sobre as complexidades do ensino da leitura. Não é, portanto, de admirar que os professores refiram sentir-se sobrecarregados com as exigências do ensino da leitura, sendo a complexidade textual apenas uma das muitas complexidades cognitivas, linguísticas, sociais e culturais com que deparam. De acordo com a literatura, os professores têm necessariamente de compreender como os alunos adquirem a capacidade de leitura e como podem apoiar esse processo, através de, por exemplo, métodos adequados de análise e selecção de textos. Além disso, é fundamental os alunos serem expostos a diversos tipos de texto. Através deles, têm a possibilidade de desenvolver a proficiência em leitura e, em simultâneo, adquirir e aprofundar o conhecimento prévio, isto é, informação acerca do mundo que os rodeia. Por esta razão, é imperioso os professores analisarem e seleccionarem de forma estratégica textos que possam ser utilizados na sala de aula, a fim de responderem às necessidades de aprendizagem e desenvolverem o conhecimento prévio dos alunos. Porém, segundo diversos estudos, os professores parecem não estar devidamente preparados para analisar e seleccionar textos que apoiem a aprendizagem da leitura. Reutzel e Fawson (2021) desenvolveram, por esta razão, o «Guia de Análise de Textos para Alunos do Ensino Básico» (no original, «Guide to Analyze Texts for Elementary Students»). Os professores podem utilizar esta ferramenta para analisar textos complexos e, adicionalmente, identificar obstáculos e oportunidades de ensino da leitura.

Propósito instrucional do texto

O modelo Deploying Reading in Varied Environments (DRIVE), desenvolvido por Cartwright e Duke (2019), tem ajudado muitos professores a compreender o papel do texto no ensino da leitura. Segundo este modelo, o texto é semelhante a uma estrada que os alunos percorrem: quando os professores seleccionam um texto, determinam o trajecto que os alunos irão percorrer. Além disso, este modelo postula que durante o processo de análise e selecção de textos os professores deparam com um conjunto diverso de possibilidades e/ou obstáculos, tais como: a) diferentes tipos de texto (tipos de estradas); b) diferentes conteúdos (diversos itinerários para um destino); e c) diversos sinais organizacionais (sinalização rodoviária). O processo de análise e selecção textual deve considerar, portanto, as múltiplas restrições e oportunidades que cada texto oferece ao aluno, tal como os instrutores de condução devem reflectir cuidadosamente acerca das estradas em que os alunos aprendem a conduzir. De acordo com Brown (2000), os textos devem ser seleccionados de modo a apoiar a aquisição e desenvolvimento das capacidades de leitura, tais como a consciência fonológica, a descodificação, o reconhecimento automático de palavras, a fluência de leitura e a linguagem oral. O mesmo autor formulou a seguinte questão: «Que tipo de texto, para quem, e para quando?» (no original, «What kind of text for whom and when?») A resposta a esta questão é relativamente simples. Nas fases iniciais de aprendizagem da leitura, os professores devem seleccionar textos que apoiem a aquisição de capacidades básicas de leitura (como por exemplo, a consciência fonológica e o conhecimento das correspondências letras-sons) e que reforcem o sentimento de auto-eficácia dos alunos, enquanto leitores. Quando os alunos mostrarem ser capazes de lidar com as exigências da leitura, os professores devem seleccionar textos mais complexos, que permitam aos alunos adquirir os conhecimentos necessários num quadro de vida e de trabalho complexo. Os professores devem, portanto, procurar desenvolver inicialmente a proficiência dos alunos na leitura através de textos mais simples, aumentando posteriormente, e de forma gradual, a sua dificuldade e complexidade. As questões que agora se impõem são: O que torna um texto complexo? Como avaliar a complexidade de um texto? Embora a complexidade textual constitua apenas uma parte do processo de leitura, desempenha um papel crítico na sua aprendizagem. De acordo com o California Common Core State Standards — English Language Arts (CCSS ELA), a complexidade textual tem três dimensões (figura 1):

Dimensão qualitativa

A avaliação da complexidade de um texto compreende quatro factores: objectivo; estrutura; linguagem; e exigência de conhecimento. De acordo com Reutzel e Fawson (2021), um texto é complexo quando: i) exige que o leitor infira o propósito do texto, ou o texto tenha mais do que um objectivo (objectivo); ii) a organização ou configuração exige que o leitor infira ligações entre as ideias do texto (estrutura); iii) a linguagem é abstrata, figurativa, retórica ou irónica, bem como quando contém termos desconhecidos, específicos de uma disciplina, e o respectivo significado é ambíguo ou propositadamente enganador (linguagem); e iv) quando é extenso, teórico e específico de uma disciplina.

Dimensão quantitativa

Engloba os conceitos de acessibilidade, dificuldade e desafio. Este conceitos podem ser avaliados a partir de ferramentas como o Lexiles, o Guided Reading Levels (A-Z) e o Reading Recovery Levels (em Portugal, os professores podem utilizar a ferramenta ESCOLEX, desenvolvida por Soares et al., 2014). De acordo com a literatura, a maioria destas ferramentas considera dois factores na avaliação quantitativa da complexidade textual: i) a complexidade sintáctica, que está relacionada com a complexidade ou dificuldade das frases do texto e pressupõe que frases mais longas são tipicamente mais complexas do que frases mais curtas; e ii) a complexidade semântica, alusiva ao vocabulário e avaliada a partir do cálculo da frequência ou número total de vezes que cada palavra aparece num texto, sendo que as palavras que aparecem mais vezes num texto são provavelmente mais conhecidas do que as palavras que aparecem menos.

Dimensão de correspondência do leitor com o texto e a tarefa

Refere-se, muito simplesmente, à relação entre variáveis do leitor, como por exemplo a motivação, o conhecimento e as experiências, e da tarefa, como o objectivo ou propósito da leitura.

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Figura 1. - Complexidade textual – CCSS ELA

A partir destas dimensões, Reutzel e Fawson (2021) desenvolveram o Guia de Análise de Textos para Alunos do Ensino Básico (disponível aqui). Segundo os autores, este guia constitui uma ferramenta útil para os professores, uma vez que lhes permite proceder a uma abordagem sistemática de análise e selecção de textos.

Em suma

Seleccionar os textos mais adequados aos objectivos de ensino e necessidades dos alunos nem sempre é tarefa fácil, principalmente quando não se ensina aos professores como o fazer. Reutzel e Fawson (2021) desenvolveram uma ferramenta para ajudar os professores nesta tarefa, denominada «Guia de Análise de Textos para Alunos do Ensino Básico». Este guia permite aos professores proceder a uma abordagem sistemática de análise e selecção textual e identificar possíveis obstáculos e oportunidades no ensino da leitura.

AUTORES

João Lopes

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João Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Diretor do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Diretor do programa de doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, quando da realização da sua dissertação de mestrado intitulada «Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras». No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º ciclo do ensino básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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