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Não nascemos a saber inibir distratores e a priorizar tarefas. O “para e pensa” também se aprende e é determinante para o sucesso na escola e na vida.

O nosso cérebro funciona como uma orquestra, mas, para marcar bem o ritmo, precisa de um maestro proficiente. O grande desafio é que este maestro está em estágio até ao final da adolescência e tem sob o seu comando um conjunto de funções, chamadas “funções executivas”, que são especialmente importantes quando lidamos com situações e atividades novas, e não rotineiras. É através destas funções que conseguimos regular os nossos pensamentos e ações. São elas que podem traduzir o nosso sucesso a médio e longo prazo.

Os adultos que cuidam de crianças pequenas conseguem identificar facilmente as suas fragilidades em ignorar distrações e em se ajustarem adequadamente às novas situações do dia a dia. O que dificilmente reconhecem é que estas capacidades não se desenvolvem automaticamente com a maturidade ao longo do tempo, podendo verificar-se variabilidade na mesma faixa etária1. A estas capacidades as neurociências dão o nome de funções executivas, e a psicologia atribui-lhes designações como autorregulação e metacognição. Não nascemos com elas, mas os genes permitem-nos estar preparados, desde cedo, para as desenvolvermos com a experiência2.

Olhando especialmente para as crianças e os adolescentes é muito comum questionarmos como é que alguns podem ser tão governados por impulsos, enquanto outros conseguem regular com sucesso os seus comportamentos.

Do ponto de vista das ciências cognitivas, essa variação reflete diferenças individuais nas funções executivas, descritas como uma coleção de processos correlacionados que regulam os processos cognitivos de nível básico para moldar desempenhos complexos3. Ou seja, ações como iniciar tarefas e manter o foco de atenção nelas até à sua conclusão; organizar, planear, priorizar; compreender diferentes pontos de vista; regular emoções; fazer automonitoramento (acompanhar a sua própria realização, permitindo a deteção de erros e a sua correção) são alguns dos exemplos sob a responsabilidade do funcionamento executivo.

Numa pesquisa rápida na PsychINFO (base de dados na área da cognição, atualmente com 4 735 716 registos), procurando pelos termos “funções executivas” e “criança”, encontrámos 2857 itens publicados até à data. O número de publicações científicas dedicadas ao estudo destas capacidades tem aumentado de forma muito expressiva nos últimos 30 anos, já que, em pesquisas idênticas a esta, se verificou que em 1985 este tópico apresentava cinco citações, em 1995 registavam-se 14, e em 2005 somava 501 citações4. Além do forte crescimento das funções executivas como um domínio de investigação, a popularidade é também visível no número de acessos nos motores de busca e no número de softwares produzidos por empresas comerciais que alegam aprimorar as funções executivas fornecendo um treino específico para o cérebro5. Razões mais do que suficientes para fazermos um ponto de situação sobre o que atualmente se sabe sobre estas funções6.

O que se sabe sobre as funções executivas

A importância das funções executivas reside no facto de estas possibilitarem a interação com o espaço em que o indivíduo vive de maneira completamente adaptativa. E isso é responsável para que nas várias práticas relacionadas com aspetos sociais, emocionais e intelectuais, se desenvolva a autonomia necessária para que o indivíduo realize as suas tarefas diárias. Teoricamente estas funções são geralmente divididas em três: 

  • Controlo inibitório: Capacidade para focar o que é relevante, ignorando estímulos distratores. (Exemplo: resistir às tentações, suprimindo deliberadamente a atenção, para responder subsequentemente ao que é pedido.)
  • Memória de trabalho: Capacidade para manter as informações e manipulá-las de alguma maneira até à execução. (Exemplo: compreender o texto para integrar várias informações ou ideias num todo coerente.)
  • Flexibilidade cognitiva: Capacidade de pensar em algo de várias maneiras para se adaptar às mudanças e para planear os passos direcionados ao objetivo. (Exemplos: estabelecer uma relação entre dois assuntos, considerar a perspetiva do outro sobre uma situação, resolver um problema de matemática de várias formas e seguir mentalmente uma ordem de prioridade entre várias tarefas.)

Alguns autores também estabelecem uma distinção entre o "frio" das funções executivas, que envolve estritamente aspetos cognitivos (processos que operam em contextos afetivamente mais neutros, como os cálculos mentais), e o "quente", que incide na regulação das emoções (como controlar a frustração). Ambos trabalham normalmente em conjunto na solução de problemas do mundo real7. Outros autores afastam as funções executivas do conceito de inteligência, destacando o ser capaz de raciocinar – usar o conhecimento propositadamente e colocá-lo em prática – em vez de uma aptidão intelectual na visão cristalizada do conceito8.

De entre as já inúmeras tentativas para clarificar a natureza complexa destas capacidades, destaca-se a associação entre a maturação dos lobos frontais e este processo de controlo cognitivo que regula o pensamento e a ação. As funções executivas começam a desenvolver-se logo após o nascimento (formas mais simples presentes nos primeiros 12 meses, como, por exemplo, obedecer a uma diretiva simples como “não toque no copo”), mas ocorrem de maneira progressiva não linear, uma vez que parecem estar dependentes dos circuitos do córtex pré-frontal, cuja maturação é tardia. Por essa razão, só terminam o seu desenvolvimento no fim da adolescência. Estão identificados picos de desenvolvimento entre os 3-6 anos, os 8-9 anos, e durante a adolescência9. Estas janelas de oportunidades são fruto do crescente controlo da atenção – o primeiro surto de desenvolvimento até aos 5 anos – e da mielinização progressiva e sinaptogénese do córtex frontal – o segundo surto entre os 7 e os 9 anos, e ao longo da adolescência (ver figura).

A avaliação das funções executivas em idades precoces já permitiu identificar o seu poder explicativo no sucesso escolar10,11, tanto na prontidão para a aprendizagem da matemática12 como da leitura13. Foram observadas diferenças em crianças pertencentes a famílias de baixo estatuto socioeconómico14 e em casos clínicos como, por exemplo, na PHDA15 (Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção), no espectro do autismo16, na depressão17 e nas perturbações alimentares18. O treino destas capacidades já demonstrou minimizar problemas de comportamento19,20 e ser determinante para a saúde mental21, e as abordagens de intervenção para melhorar indiretamente as funções executivas, como a atividade física22, 23 e as práticas de meditação24, também têm vindo a sugerir eficácia na sua relação.

Apesar da centralidade das funções executivas na atual investigação das neurociências e ciências cognitivas, não há ainda consenso sobre as fontes das diferenças individuais em crianças com desenvolvimento típico. Um problema no funcionamento executivo pode tornar o processo de aprendizagem mais lento, mas isso não significa que as crianças sejam preguiçosas ou não suficientemente inteligentes. Também ainda não está claro se os mecanismos envolvidos na regulação de um tipo de comportamento, tal como a linguagem, partilham os mesmos processos na regulação de outros tipos de comportamento, tais como as emoções. Discute-se ainda se o controlo inibitório é um mecanismo proativo ou reativo25.

O que a literatura científica nos esclarece é que o desenvolvimento do potencial máximo do funcionamento executivo é um processo gradual, que exige tempo. Não existem soluções que servem de igual modo para todos, mas quanto mais cedo o maestro do nosso cérebro for colocado em situações de “para e pensa” e planeamento de ações, as nossas tomadas de decisão e desempenho executivo vão também sendo mais bem-sucedidas.

Referências

1 Miyake, A., & Friedman, N. P., «The nature and organization of individual differences in executive functions: Four general conclusions», Current Directions in Psychological Science, 21, 2012, pp. 8–14. 

2 Friedman, N. P., Miyake, A., Young, S. E., DeFries, J. C., Corley, R. P., & Hewitt, J. K., «Individual differences in executive functions are almost entirely genetic in origin», Journal of Experimental Psychology: General, 137(2), 2008, pp. 201–225.

3 Best, J. R., & Miller, P. H., «A developmental perspective on executive function», Child Development, 81(6), 2010, pp. 1641–1660.

4 Bernstein, J. H., Waber, D. P., «Executive capacities from a developmental perspective», em L. Meltzer, Executive function in education: From theory to practice, Nova Iorque, Guilford Press, 2007, pp. 39–124.

5 Baggetta, P., & Alexander, P. A., «Conceptualization and Operationalization of Executive Function», Mind, Brain, and Education, 10(1), 2016, pp. 10–33. 

6 Diamond, A., «Executive Functions», Annual Review of Psychology, 64(1), 2013, pp. 135–168. 

7 Zelazo, P. D., and Carlson, S. M., «Hot and cool executive function in childhood and adolescence: Development and plasticity», Child Development Perspective, 6(4), 2012, pp. 354–360.

8 Blair, C., «How similar are fluid cognition and general intelligence? A developmental neuroscience perspective on fluid cognition as an aspect of human cognitive ability», Behavioral and Brain Sciences, 29(2), 2006, pp. 109–125.

9 Anderson, P., «Assessment and development of executive function (EF) during childhood», Child Neuropsychology, 8(2), 2002, pp. 71–82.

10 Blair, C., & Diamond, A., «Biological processes in prevention and intervention: the promotion of self-regulation as a means of preventing school failure», Development and Psychopathology, 20(3), 2008, pp. 899–911.

11 Burchinal, M., Foster, T. J., Bezdek, K. G., Bratsch-Hines, M., Blair, C., & Vernon-Feagans, L., «School-entry skills predicting school-age academic and social-emotional trajectories», Early Childhood Research Quarterly, 51, 2020, pp. 67–80. 

12 Cragg, L., & Gilmore, C., «Skills underlying mathematics: The role of executive function in the development of mathematics proficiency», Trends in Neuroscience and Education, 3(2), 2014, pp. 63–68.

13 McClelland, M. M., Acock, A. C., Piccinin, A., Rhea, S. A., & Stallings, M. C., «Relations between preschool attention span-persistence and age 25 educational outcomes», Early Childhood Research Quarterly, 28(2), 2013, pp. 314–324.

14 Hackman, D. A., & Farah, M. J., «Socioeconomic status and the developing brain», Trends in Cognitive Sciences, 13(2), 2009, pp. 65–73. 

15 Willcutt, E. G., Doyle, A. E., Nigg, J. T., Faraone, S. V., & Pennington, B. F., «Validity of the executive function theory of attention-deficit/hyperactivity disorder: A meta-analytic review», Biological Psychiatry, 57(11), 2005, pp. 1336–1346.

16 Hill, E. L., «Executive dysfunction in autism», Trends in Cognitive Sciences, 8(1), 2004, pp. 26–32.

17 Snyder, H. R. «Major depressive disorder is associated with broad impairments on neuropsychological measures of executive function: A meta-analysis and review», Psychological Bulletin, 139(1), 2013, pp. 81–132.

18 Lavagnino, L., Arnone, D., Cao, B., Soares, J. C., & Selvaraj, S., «Inhibitory control in obesity and binge eating disorder: A systematic review and meta-analysis of neurocognitive and neuroimaging studies», Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 68, 2016, pp. 714–726. 

19 Volckaert, A., & Noël, M.-P., «Executive function, chaos and temperament: specificities in preschoolers with externalizing behaviors», Psychologica Belgica, 58(1), 2018, pp. 222–242.

20 Rosário, P., Costa, J. C., Mourão, R., Chaleta, E., Grácio, M. L., Núñez, J. C., & González-Pienda, J., «De pequenino é que se auto-regula o destino», Educação: Temas e Problemas, 4, 2007, pp. 281–293.

21 Diamond, A., & Lee, K., «Interventions shown to aid executive function development in children 4 to 12 years old», Science, 333(6045), 2011, pp. 959–964.  

22 Verburgh, L., Königs, M., Scherder, E. J., & Oosterlaan, J., «Physical exercise and executive functions in preadolescent children, adolescents, and young adults: a meta-analysis», British Journal of Sports Medicine, 48(12), 2014, pp. 973–979. 

23 Luz, C., Rodrigues, L. P., & Cordovil, R., «The relationship between motor coordination and executive functions in 4th grade children», European Journal of Developmental Psychology, 12(2), 2014, pp. 129–141.

24 Zelazo, P. D., and Lyons, K. E., «The potential benefits of mindfulness training in early childhood: a developmental social cognitive neuroscience perspective», Child Development Perspectives, 6(2), 2012, pp. 154–160.

25 Perri, R. L., «Is there a proactive and a reactive mechanism of inhibition? Towards an executive account of the attentional inhibitory control model», Behavioural Brain Research, 377, 2020, 112243.

AUTOR

Joana Rato é psicóloga da Educação desde 2003 e doutorada em Ciências da Saúde (na especialidade de Neuropsicologia) pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa (UCP) desde 2014. Actualmente trabalha no Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS) da UCP e desenvolve o projecto Mente, Cérebro e Educação com a colaboração de professores de várias escolas. Em 2013, através do Alumni Award da James S. McDonnell Foundation, participou na 3rd Latin-American School for Educational, Cognitive and Neural Sciences e, em 2015, recebeu o Prémio de Mérito da Fundação D. Pedro IV. Os seus interesses de investigação passam pela Neuropsicologia aplicada à Educação com destaque para a avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes. É co-autora do livro “Quando o cérebro do seu filho vai à escola”.

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