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Vários fatores influenciam o desempenho escolar, mas, nos últimos anos, um novo conceito tem ganhado atenção: o «grit» ou força de vontade. Uma característica individual que vai além do QI ou do acesso a materiais. Apesar de ser necessária mais investigação, os professores podem tirar partido desta característica e ajudar os alunos a desenvolvê-la, ensinando-os, por exemplo, a não desistir perante as dificuldades.

O que faz com que alguns alunos tenham mais sucesso escolar do que outros? Obviamente que existem vários fatores que influenciam o desempenho escolar: desde o acesso aos materiais necessários até a um contexto familiar que facilite a aprendizagem; desde ter bons professores até frequentar escolas que apoiem e incentivem os seus alunos. Mas existem também factores individuais ou pessoais. O leitor poderá pensar imediatamente que a inteligência, o QI, é a característica individual mais importante para diferenciar bons e maus alunos. No entanto, alguma investigação recente sugere que a «grit», que em português  tem sido traduzido como «garra» mas que também poderá ser traduzido como «força de vontade» ou «determinação», poderá ser uma característica individual determinante para o sucesso escolar (Duckworth et al., 2007; Duckworth, 2016; Duckworth et al., 2019). No entanto, a importância da garra ainda está a ser estudada, com alguns investigadores a alertarem que esta característica poderá não influenciar o sucesso escolar mais do que outras variáveis não-cognitivas ou que é quase impossível de desenvolver (p. ex., Credé et al., 2017) e outros a questionarem a própria definição de garra e a sua medida (p. ex., Jachimowicz et al., 2018). Trata-se de um debate científico importante, que convém acompanhar.

O que é garra? 

Determinação – termo que preferimos utilizar para traduzir a expressão inglesa consagrada – tem sido definida como a característica que permite um indivíduo trabalhar arduamente e manter-se focado para atingir objetivos de longo-prazo. Angela Duckworth, a investigadora da Universidade da Pensilvânia que desenvolveu o tema e tornou o conceito famoso, numa TED Talk em 2013 e num livro em 2016, define-o como «paixão e perseverança para objetivos a longo-prazo». «Determinação» não é sorte ou talento, é ter um objetivo e perseverar para atingi-lo, mesmo quando o progresso é lento ou difícil. De acordo com Duckworth, se um aluno tem determinação, será mais provável que consiga atingir os seus objetivos, sejam estes mais imediatos, tais como obter uma boa nota a Matemática, ou mais distantes, tais como ingressar num curso específico do ensino superior. No entanto, numa meta-análise, Credé e colegas (2018) concluíram que garra parece ser apenas perseverança e não é um melhor preditor de aprendizagem do que hábitos de estudo e habilidades. O debate sobre a definição continua, com Jachimowicz e outros investigadores a afirmarem que garra é perseverança e paixão, mas que as escalas usadas para a medir não capturam a paixão, levando a resultados inconclusivos quanto à importância da determinação na aprendizagem. Vejamos então como esta característica tem sido medida.

Como medir a garra?

Para poder estudar o conceito de determinação ou garra e para poder aplicá-lo, é importante medi-lo. E é aqui que o conceito tem sido desafiado. Duckworth criou a Grit Scale, um questionário com 12 itens que mede a determinação e pode ser aplicada a adolescentes e adultos (Duckworth et al., 2007). O questionário inclui itens que medem a capacidade de manter esforço (por exemplo, «Termino tudo o que começo») e itens que medem se a capacidade de manter esforço é causada por interesse pessoal (paixão) ou por fatores extrínsecos (por exemplo, «Tenho dificuldade em manter-me focado/a em projectos que demorem mais do que alguns meses a completar»). Para cada item é pedida uma resposta numa escala de 1 a 5, em que 1 significa «não me identifico» e 5 significa «identifico-me completamente». No seu artigo de 2007, Duckworth e colegas verificaram a validade e outras propriedades desta escala e mostraram que os níveis de determinação ou garra estavam associados com o nível de educação em adultos, notas de estudantes universitários, retenção em dois cursos, e classificação num concurso de soletrar. Mas estes resultados não foram suportados por uma meta-análise mais recente (Credé et al., 2018). Logo após surgirem essas críticas, Jachimowicz et al. (2018; 2019) sugeriram que a evidência que liga determinação a desempenho não é clara porque as escalas usadas apenas capturam perseverança e não paixão, enquanto que a definição de garra nitidamente inclui perseverança e paixão. Estes investigadores mostraram que combinando a Grit Scale com uma escala que mede paixão (passion attainment scale), obtém-se uma ligação entre garra e desempenho. Assim sendo, em que ponto ficamos?

A determinação importa?

A resposta não é clara. Não parece que afecte o desempenho escolar negativamente mas poderá não aumentar a aprendizagem. Perseverança e paixão não parecem aumentar nem a aprendizagem nem a capacidade de lembrar informação (ver Kirschner & Hendrick, 2020). Assim, talvez os professores possam incentivar a determinação dos seus estudantes, mas sem esperar que seja um factor decisivo para o sucesso escolar. Quer dizer, um aluno com um alto QI e bons hábitos de estudo poderá ter melhor desempenho do que um aluno que apenas tem paixão e perseverança. Assim sendo, será que vale a pena discutir o conceito de determinação e como desenvolvê-la? Como mencionámos, a investigação sobre os seus efeitos ainda não apresenta respostas claras, mas mais determinação não parece ter efeitos negativos. Por isso, poderá valer a pena que professores e alunos conheçam este conceito. Isto não significa que os alunos tenham sempre de encontrar paixão em tudo o que têm de aprender, mas encontrar um objetivo a longo-prazo poderá ajudá-los a trabalhar arduamente para atingi-lo. 

A determinação pode ser utilizada para ajudar os alunos a perseverarem quando são confrontados com dificuldades.

E na prática?

Devemos enfatizar que, dada a natureza contraditória dos estudos, um professor não deverá esperar que aumentar a determinação dos seus alunos conduza necessariamente a mais aprendizagem. Os princípios cognitivos que já sabemos que aumentam a aprendizagem não devem ser descurados e substituídos por práticas que podem aumentar a determinação. Por exemplo, é quase certo que aluno não sente paixão por fazer testes mas a investigação diz-nos que a prática de fazer testes – prática de recuperação – aumenta a aprendizagem. Logo, um professor não deve parar de testar os alunos para tentar aumentar a sua determinação. Isto será verdade também para outras estratégias, tais como o espaçamento do estudo, que os alunos poderão não ver como benéfico mas que está cientificamente testado e é uma estratégia poderosa de aprendizagem. No fundo, as estratégias que tornam a recuperação de informação difícil (como o espaçamento) parecem melhorar o desempenho dos alunos, de acordo com o princípio das dificuldades desejadas (Bjork & Bjork, 2011). Poderão não levar a paixão e perseverança, mas não devem ser abandonadas.

No entanto, a determinação pode ser incentivada de vários modos que não comprometem as estratégias de aprendizagem estabelecidas como eficazes. Por exemplo, a determinação pode ser utilizada para ajudar os alunos a perseverarem quando são confrontados com dificuldades. Duckworth menciona1 que os professores, as escolas, e a comunidade têm a responsabilidade de assegurar que os alunos percebem que quando não querem fazer algo que é difícil ou quando querem desistir, o mais importante é começar por compreender e aceitar que isso é parte da luta e do processo de aprendizagem. 

A investigação indica algumas estratégias práticas que podem aumentar a determinação sem pôr em perigo o uso de outras estratégias de aprendizagem que comprovadamente aumentam o desempenho escolar: 

  • Criar tempo, espaço e oportunidades para que os alunos tenham determinação. Proporcionar oportunidades e criar o hábito de fazer com que os alunos aprendam com os seus erros e os corrijam (por exemplo, deixar que os alunos trabalhem e corrijam problemas que inicialmente erraram). Se isto lhe soa semelhante a dar feedback, está certo, e dar feedback aos alunos melhora a sua aprendizagem (p. ex., Smith & Kimball, 2010); 
  • Garantir que os alunos aprendem o conceito de determinação e que percebem que esta é uma capacidade que pode ser aumentada. Isto significa que os alunos saberão que o seu sucesso escolar não depende apenas de factores genéticos ou contextuais que estão para lá do seu controlo, mas que podem trabalhar de modo a atingirem os seus objetivos. Esta estratégia deverá aumentar a aprendizagem e proporcionar uma boa oportunidade para ajudar os alunos a adoptar melhores hábitos de estudo; 
  • Fomentar a prática deliberada – ajudar os alunos a desenvolverem a capacidade de praticar, especialmente quando a prática os ajudar a ultrapassar as suas fraquezas. Esta pode ser uma oportunidade para ensinar os alunos que há práticas de estudo que são mais favoráveis à aprendizagem, tais como a prática da recuperação (p. ex., Rowland, 2014); 
  • Chamar a atenção para os objetivos do aluno. Ajudar os alunos a perceber quais os seus interesses e como atingir os seus objetivos, para que possam compreender qual é a sua paixão. Por exemplo, fazer com que os alunos meçam a sua determinação, usando a escala Grit Scale2, para iniciar uma conversa sobre a sua perseverança e paixão.

Em suma, garra ou determinação é uma capacidade não-cognitiva que ainda está a ser avaliada pelos investigadores. Alguns, mostraram que níveis mais elevados de determinação estão associados com bons desempenhos em diferentes áreas, incluindo ciência e desporto (p. ex., Alhadabi & Karpinski, 2020; From et al., 2020; Peters, 2020), e em diferentes culturas (p. ex., Luo et al. 2020; Chan et al., 2018), enquanto outros mostraram que garra pode não diferir de perseverança e não ter grande impacto no desempenho escolar. Até que mais investigação seja desenvolvida, os professores podem tirar partido da popularidade que o conceito atingiu e tentar aumentá-lo nas suas salas de aula, mas parece importante não descurar as estratégias de aprendizagem que têm efeitos provados nas capacidades cognitivas, estratégias mais poderosas e estas sim, claramente consolidadas pela investigação científica.

Referências

1 Num podcast para a EdSurge (2018).

2 Duckworth e Quinn (2009) criaram uma versão curta da Grit Scale, com 8 itens, e outra versão específica para crianças. Angela Duckworth também disponibiliza no seu website um questionário online para medir a garra. No entanto, a investigadora avisa que estas medidas têm limitações e, logo, podem ser usadas para investigação e auto-reflexão mas não devem ser usadas para seleção de alunos (por exemplo, para fins de acesso ao ensino superior), para aferir o desempenho dos professores, ou para comparar escolas e países (Duckworth & Yeager, 2015). Uma versão portuguesa da Grit Scale foi já utilizada, sob o nome de Escala de Perseverança, mas não temos conhecimento se esta versão terá sido validada (Caeiro, 2015).

Alhadabi, A., & Karpinski, A. C., «Grit, self-efficacy, achievement orientation goals, and academic performance in University students», International Journal of Adolescence and Youth, 25(1), 2020, pp. 519-535.

Bjork, E. L., & Bjork, R. A., «Making things hard on yourself, but in a good way: Creating desirable difficulties to enhance learning», Psychology and the real world: Essays illustrating fundamental contributions to society, 2, 2011, pp. 59-68.

Caeiro, H. M. D. S., «Sucesso escolar, felicidade, perseverança e bem-estar em adolescentes», (Tese de Mestrado), 2015.

Chen, C., Ye, S., & Hangen, E., «Predicting achievement goals in the East and West: the role of grit among American and Chinese university students», Educational Psychology, 38(6), 2018, pp. 820-837.

Credé, M., Tynan, M. C., & Harms, P. D., «Much ado about grit: A meta-analytic synthesis of the grit literature», Journal of Personality and social Psychology, 113(3), 2017, pp. 492-511.

Duckworth, A. L., Grit: The power of passion and perseverance, Nova Iorque, NY: Scribner, 2016.

Duckworth, A. L., Grit: The power of passion and perseverance (vídeo), abril de 2013.

Duckworth, A. L., Peterson, C., Matthews, M. D., & Kelly, D. R., «Grit: Perseverance and passion for long-term goals», Journal of Personality and Social Psychology, 92(6), 2007, pp. 1087-1101.

Duckworth, A. L., Quirk, A. Gallop, R., Hoyle, R. H., Kelly, D. R., & Matthews, M. D., «Cognitive and noncognitive predictors of success», Proceedings of the National Academy of Sciences, 116(47), 2019, pp. 23499-23504.

From, L., Thomsen, D. K., & Olesen, M. H., «Elite athletes are higher on Grit than a comparison sample of non-athletes», Scandinavian Journal of Sport and Exercise Psychology, 2, 2020, pp. 2-7.

Jachimowicz, J. M., Wihler, A., Bailey, E. R., & Galinsky, A. D., «Why grit requires perseverance and passion to positively predict performance», Proceedings of the National Academy of Sciences, 115(40), 2018, pp. 9980-9985.

Credé, M., «Total grit scale score does not represent perseverance», Proceedings of the National Academy of Sciences, 116(10), 2019, pp. 3941-3941.

Luo, J., Wang, M., Ge, Y., Chen, W., & Xu, S., «Longitudinal Invariance Analysis of the Short Grit Scale in Chinese Young Adults», Frontiers in Psychology, 11, 466, 2020.

Peters, P. J., «Grit for Dance Students: What, Why, and How», Dance Education in Practice, 6(1), 2020, pp. 7-12.

Rowland, C. A., «The effect of testing versus restudy on retention: a meta-analytic review of the testing effect», Psychological Bulletin, 140(6), 2014, pp. 1432-1463.

Smith, T. A., & Kimball, D. R., «Learning from feedback: Spacing and the delay–retention effect», Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition, 36(1), 2010, pp. 80-95.

Young, J. R., «Angela Duckworth Says Grit Is Not Enough. She’s Building Tools to Boost Student Character», EdSurge, 20 de abril de 2018.

AUTOR

Ludmila D. Nunes é a diretora de conhecimento científico na American Psychological Association (APA). Doutorada em Psicologia pela Universidade de Lisboa, desenvolveu a sua investigação na área de Memória Humana e Aprendizagem na Washington University in St. Louis, na Universidade de Purdue, e na Universidade de Lisboa. 

Além da investigação, deu aulas de Introdução à Psicologia Cognitiva e de Memória Humana na Universidade de Purdue e foi revisora para várias publicações científicas. Até recentemente, foi escritora científica para a Association for Psychological Science (APS)

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