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Aprender a ler pode ser um desafio para alguns alunos. Há muitos programas desenhados para tentar combater essa dificuldade, mas quais são os mais eficazes? Vários estudos mostram que não há apenas um caminho para ajudar os alunos a ler melhor.

A transição para o 1.º ano de escolaridade traz inúmeros desafios para os alunos e para as suas famílias. Um dos principais é a exposição a um currículo focado na aprendizagem da leitura e da escrita. Tal não só é decisivo para formar leitores fluentes, como o nível de literacia condiciona o sucesso das outras áreas de estudo. 

Desta forma, é da maior relevância conhecer os estudos de programas e políticas para melhorar a literacia dos alunos. Destacamos três, recentemente publicados, e que comparam o impacto de diferentes métodos de aprendizagem da leitura.

Métodos de aprendizagem da leitura

Um dos principais debates entre pedagogos incide sobre os métodos de aprendizagem da leitura. Destes, podemos destacar os métodos globais, que não partem dos sons e das palavras isoladas e se baseiam numa metodologia de aprendizagem através do contexto (por exemplo através de histórias, imagens, etc.), e os métodos fónicos, focados na aprendizagem pela construção de palavras de forma sistemática, através do reconhecimento de padrões fonéticos.

Entre as abordagens fónicas podemos destacar duas variantes: 

  1. Método analítico, no qual os alunos aprendem as palavras para depois analisarem os seus sons;
  2. Método sintético, que parte do pronunciamento isolado dos sons (fonemas) associados às letras e sílabas, para depois proceder a uma síntese formando palavras. Esta última metodologia é predominante em países de raiz germânica, como a Alemanha e a Áustria.

Avaliação de políticas

Três estudos recentes, em Inglaterra, Brasil e França indicam as vantagens de programas focados em diferentes métodos de aprendizagem de leitura nos primeiros anos de escolaridade. Estas intervenções apresentam custos relativamente baixos, mostrando que os seus benefícios no presente e no futuro superam largamente o investimento feito.

Após uma experiência na Escócia, que apontava para substanciais ganhos do uso de um método fónico sintético, o governo britânico decidiu estender este método às escolas inglesas. Contudo, antes de universalizar esta política, foi desenhado em 2005 um programa piloto, envolvendo 172 escolas e 18 comunidades locais. Só a partir daí, o programa foi sendo progressivamente adotado pelas restantes escolas do país1

O facto de ter existido um programa piloto prévio, bem como a circunstância de o programa ter sido adotado gradualmente, permitiu a avaliação do mesmo, uma vez que em diferentes anos letivos houve escolas abrangidas pelo programa e escolas que não o foram. Este diferencial permitiu medir o impacto da adoção desta medida educativa nos resultados dos alunos. 

Machin et al. (2018) encontraram efeitos positivos e significativos numa avaliação de comunicação, linguagem e literacia feita aos alunos abrangidos pelo programa2. Para ter uma noção da magnitude, o impacto estimado está em linha com aquele encontrado na famosa experiência STAR, um vasto programa de redução do número de alunos por turma que ocorreu nos anos 1980 no Tennessee3. Contudo, este programa de literacia tem custos substancialmente mais baixos do que aqueles associados à redução do número médio de alunos por turma. De notar também, que a longo prazo, quando os alunos atingem os 11 anos, o programa tem maiores impactos nos alunos que no 1.º ano apresentavam maiores dificuldades a leitura. Esta conclusão é relevante, uma vez que os alunos só foram expostos ao programa até aos 7 anos, mostrando que os efeitos têm capacidade de perdurar no tempo.

Num outro estudo publicado recentemente acerca da aprendizagem da leitura em língua portuguesa, analisa-se uma experiência no Estado do Rio Grande do Sul desenvolvida em 2006 com alunos no 1.º e 2.º anos, envolvendo 492 turmas distribuídas por 432 escolas (Hirata &Oliveira, 2019). O estudo observou perto de 600 escolas, num total de cerca de 15 mil alunos, sendo que as escolas que não foram abrangidas pelo projeto serviram como grupo de controlo, por forma a testar o impacto nas restantes escolas (grupo de tratamento). Este programa propôs a três instituições que aplicassem os seus métodos de leitura, formando professores, desenvolvendo materiais e monitorizando o processo de aprendizagem. Estas instituições propuseram três métodos distintos, nomeadamente um método dito construtivista, um método fónico, e um método híbrido alternativo, que não fixava o método de ensino, adotando estratégias caso a caso, tendo como único objetivo uma taxa de sucesso de 95%. O impacto do projeto foi medido a médio prazo, em particular no desempenho dos alunos no 5.º ano, através de um teste universal de leitura. 

Pertencer simplesmente ao projeto, independentemente de estar exposto a cada uma das três metodologias, não mostrou ter impacto nos resultados. Contudo, aqueles alunos que no 1.º e 2.º ano foram expostos ao método fónico revelaram uma melhoria mais significativa no seu aproveitamento, quer no teste de leitura, quer na diminuição da taxa de retenção três a quatro anos mais tarde4.

Em França, um outro estudo propôs-se comparar o impacto de duas políticas educativas distintas desenhadas para alunos do 1.º ano em escolas em zonas geográficas com resultados escolares baixos (Ecalle et al., 2019). A primeira política foi implementada no ano letivo de 2002/2003 e  diminuiu o número médio de alunos por turma de 20-25 para um máximo de 12. A segunda, versou sobre um programa de literacia focado em atividades de descodificação, como o reconhecimento de letras, partição de palavras em sílabas e fonemas, correspondência entre letras e sons ou consciência e fluência fonológica. Ambos os programas foram avaliados de forma multidimensional, recolhendo diferentes métricas de literacia5. Na análise encontraram-se efeitos significativos nas dimensões de reconhecimento de palavras e ortografia, sendo que no segundo programa foram também encontrados efeitos na dimensão da compreensão na leitura. Os efeitos encontrados são maiores para o programa focado na literacia do que aqueles encontrados no programa de redução de dimensão de turmas6. Estes resultados interessantes são apenas indicativos e naturalmente mais estudos são necessários para confirmar possíveis nexos causais7.

Um dos pontos interessantes em comum entre os três projetos focados em intervenções dirigidas à leitura é o custo marginal reduzido por aluno. Tal reforça como é possível desenhar políticas que, apesar do seu reduzido custo no curto prazo, podem trazer benefícios que superam em muito o investimento feito. Este facto justifica, mais uma vez, a necessidade de que a cada política corresponda uma análise custo-benefício que a possa informar acerca dos seus custos e benefícios no presente e no futuro.

Referências

(1) No âmbito do programa piloto, cada autoridade local recebia à cabeça um montante de 50 mil libras e a escola 15 mil libras. Tal foi usado na contratação de um consultor que prestava um intenso apoio a cerca de 10 escolas, particularmente a alunos no 1.º ano de escolaridade, mas também aos do 2.º ano e pré-primária. Este consultor acompanhava o projeto e, após o primeiro ano de implementação, fazia a sua monotorização, desenvolvendo ainda diferentes cursos de aprendizagem do método fónico sintético com membros da comunidade educativa.

(2) Em termos de magnitude, aferiu-se que este corresponderia a um impacto positivo equivalente a 20 pontos percentuais de um desvio padrão da distribuição das notas dos testes dos alunos com 5 anos. Os efeitos tendem a diminuir à medida que os alunos vão ficando mais velhos.

(3) Este programa encontrou um impacto de 19 pontos percentuais de um desvio padrão da distribuição das notas da avaliação dos alunos após um ano de exposição a uma turma com uma redução de 8 alunos. (Krueger & Whitmore, 2001).

(4) Estimou-se um aumento em torno de 31% no resultado dos alunos nos testes de leitura e uma queda de cerca de 34 pontos percentuais de um desvio padrão da distribuição de retenções.

(5) O programa de redução do número de alunos por turma foi medido através da capacidade ortográfica e de reconhecimento de palavras. O programa de literacia foi medido através da capacidade fonológica, do reconhecimento de palavras (com e sem suporte de imagens), ortografia, exercícios vocabulares, capacidade compreensão ao nível da oralidade e da leitura e fluência.

 (6) O Programa de redução de turmas teve um impacto entre 14 e 22 desvios padrões na distribuição das métricas aferidas, enquanto que o programa de literacia registou variações positivas entre 12 e 32 pontos percentuais.

(7) Os resultados destes programas devem ser lidos com alguma cautela, uma vez que a metodologia usada na avaliação dos dois projetos poderá estar contaminada por diversos enviesamentos que condicionam a sua leitura. Entre outros aspetos, de destacar que não é possível aferir se o método de seleção dos alunos participantes permite filtrar para outros fatores endógenos, como aqueles associados às escolas e às turmas.
 

Ecalle, Jean, Christophe Gomes, Pauline Auphan, Laurent Cros, & Annie Magnan. 2019. «Effects of Policy and Educational Interventions Intended to Reduce Difficulties in Literacy Skills in Grade 1.» Studies in Educational Evaluation.

Hirata, Guilherme & P. Rocha e Oliveira. 2019. «Lasting Effects of Promoting Literacy–Do When and How to Learn Matter?» Education Economics 27 (4): 339–57.

Krueger, Alan B., & Diane M. Whitmore. 2001. «The Effect of Attending a Small Class in the Early Grades on College-Test Taking and Middle School Test Results: Evidence from Project Star.» Economic Journal 111 (468): 1–28.

Machin, Stephen, Sandra McNally, & Martina Viarengo. 2018. «Changing How Literacy Is Taught: Evidence on Synthetic Phonics.» American Economic Journal: Economic Policy 10 (2): 217–41.

AUTORES

Hugo Reis é economista investigador no departamento de estudos económicos (área de estudos estruturais) no Banco de Portugal, professor auxiliar convidado na Universidade Católica Portuguesa, membro da unidade de investigação da CATÓLICA-LISBON e do IZA - Institute for the Study of Labor. 

Detém um Doutoramento em economia pela UCL - University College London, sob a supervisão de Pedro Carneiro e Orazio Attanasio, e foi consultor no Development Economics Research Group do Banco Mundial.

Os seus tópicos de investigação incluem economia de educação, avaliação de programas, mercado de trabalho, microeconometria e desenvolvimento económico, temas em que tem diversos trabalhos desenvolvidos e publicados em revistas científicas peer-reviewed internacionais, incluindo a International Economic Review.

Pedro Freitas é doutorando em Economia na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), instituição onde é membro do Nova Center for the Economics of Education e onde obteve a sua licenciatura e MPhil em Economia. A sua investigação foca-se em tópicos de Economia da Educação e Capital Humano, tais como: medidas de valor acrescentado de professores, diferenciais entre notas internas e externas, externalidades de capital humano no mercado de trabalho ou as razões por detrás da progressão nos testes PISA. O seu trabalho usa bases de microdados compreensivas tanto do mercado de trabalho como do sistema de ensino português. Esteve igualmente envolvido na avaliação de impacto de diferentes projetos educacionais desenvolvidos em Portugal. Foi aluno visitante no departamento de economia da University College of London (UCL) e no departamento de estudos do Banco de Portugal. É assistente convidado na Nova SBE de diversas cadeiras de licenciatura e mestrado. 

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