A educação não é alheia à inovação tecnológica. Mas subsistem dúvidas sobre a eficácia da utilização da tecnologia na aprendizagem. Que dados científicos temos de que a utilização de tablets e computadores melhora o desempenho dos alunos? Um estudo muito recente utilizou dados do PISA de mais de 80 mil alunos para tentar responder a estas e outras questões.
Vivemos um período de rápido progresso tecnológico e temos assistido ao aparecimento de variadas soluções para o desenvolvimento de novas formas de ensino que usam tecnologia. A utilização de computadores e de tablets dentro e fora da sala de aula é uma realidade para grande parte dos alunos, tal como a possibilidade de ligação à internet, onde facilmente se encontram exercícios e jogos, vídeos mais ou menos sofisticados e até plataformas digitais para fins educativos. Mas quais são as indicações de que a utilização destas tecnologias melhora a aprendizagem por parte dos alunos?
Não existe uma resposta única a esta questão, desde logo porque a tecnologia pode ser usada de variadíssimas formas, dentro e fora da sala de aula, com maior ou menor acompanhamento por parte do professor, em diferentes atividades, que vão da pesquisa de ideias e de informação nova à prática e consolidação de conceitos já aprendidos, e em diferentes níveis de maturidade do processo de aprendizagem.
As respostas, contudo, têm de ser procuradas na realidade. Os primeiros estudos, que utilizaram regressões multivariadas e variáveis instrumentais, tenderam a apresentar efeitos significativos positivos (e, em alguns casos, negativos) da utilização de tecnologia sobre os resultados escolares. Estudos mais recentes utilizam abordagens experimentais ou quase-experimentais. Estas últimas têm por objetivo mitigar o efeito de seleção naturalmente presente nos dados, numa tentativa de isolar o efeito que se pretende estudar, nomeadamente o impacto da introdução de tecnologia na aprendizagem. Boa parte destes estudos apontam para efeitos de reduzida magnitude, ou mesmo efeitos nulos,[1] o que não deixa de ser uma desilusão face aos investimentos em tecnologia para fins educativos.
Tecnologia dentro da sala de aula
Da literatura científica mais recente que estuda o impacto da introdução da tecnologia dentro da sala de aula, destaca-se um trabalho de Falck, Mang e Woessmann.[2] Neste estudo, os investigadores concluíram que o efeito médio no desempenho dos alunos é nulo ou quase nulo. Mas foram ainda mais longe, ao decompor este efeito, mostrando que resulta da combinação de efeitos positivos e negativos.
A tecnologia está a modificar rápida e profundamente o mundo fora da escola e é inevitável que desempenhe também aí um papel fundamental.
O ponto central é o de que existe um custo de oportunidade para a utilização de tecnologia em sala de aula. Cada minuto adicional passado a trabalhar com um computador significa um minuto disponível a menos para outras atividades. Por outro lado, os computadores podem ser usados para vários fins ou atividades, umas mais tradicionais, como a prática de capacidades e procedimentos, e outras sem paralelo no mundo analógico, como a realização de pesquisas na internet para explorar conceitos e ideias novas.
O estudo sugere que esta última atividade tem um efeito positivo, mas ocupar tempo de aula para praticar capacidades e procedimentos com recurso a tecnologia tem um efeito negativo no desempenho escolar. Estes resultados permitem conciliar as conclusões divergentes de vários estudos anteriores, na medida em que o efeito total da utilização da tecnologia dependerá, assim, dos fins específicos a que se destina em cada caso.
Fora da sala de aula
A mesma conclusão se retira no caso da utilização de tecnologia para fins educativos fora da sala de aula. A análise feita num outro estudo,[3] talvez o mais recente publicado nesta área de investigação, aponta para a existência de uma correlação positiva entre a realização de pesquisas na internet para trabalhos de casa e o desempenho escolar, mas para uma correlação negativa noutras atividades, como é o caso da comunicação com professores e outros alunos. Mas a principal conclusão a retirar deste trabalho de investigação não é animadora no que diz respeito à utilização de tecnologia para tarefas relacionadas com a escola. Para tarefas tais como comunicar com professores ou colegas, fazer trabalhos de casa e pesquisar material para incluir em apresentações, verifica-se que a utilização da tecnologia, está negativamente associada ao desempenho escolar, na grande maioria dos países analisados.
Os autores do referido estudo centraram a sua análise no efeito da utilização de tecnologia fora da sala de aula sobre os resultados obtidos nos testes estandardizados em matemática, ciências e leitura do PISA de 2012. O grupo de investigação utilizou dados referentes a quase 80 mil alunos de 15 anos pertencentes a 12 países da União Europeia (Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Portugal e Suécia). A técnica utilizada foi o propensity score matching, uma técnica quase-experimental que permite comparar o desempenho de alunos com elevada exposição à tecnologia fora da sala de aula com o desempenho de um grupo de alunos de controlo, com baixa exposição, devidamente construído para o efeito.
No caso dos resultados em matemática, esta associação é assumidamente negativa na Alemanha, Espanha, Finlândia, Grécia, Irlanda e Itália, sendo a Bélgica o único país que regista uma associação positiva significativa. Nos restantes países, incluindo Portugal, a utilização de tecnologia para realização de trabalhos de casa não parece estar associada ao desempenho escolar em matemática.
Em Portugal, o efeito não é significativo, em média, mas a utilização de tecnologia tende a penalizar particularmente os piores alunos.
No entanto, se atentarmos ao desempenho em matemática dos alunos com melhor e com pior aproveitamento, isto é, aqueles cujas classificações se situam no quartil superior e inferior da distribuição, respetivamente, verificamos que os resultados se alteram ligeiramente, e apenas na Dinamarca parece não haver relação entre tecnologia e desempenho.
Em todos os países onde o impacto da utilização de tecnologia em casa é negativo para a média dos alunos, esta associação negativa é mais pronunciada quando se consideram os grupos dos melhores e dos piores alunos. Em Portugal, embora o efeito não seja significativo, em média, a utilização de tecnologia penaliza ambos os extremos, mas particularmente os piores alunos. Já na Holanda, verificamos o oposto: os melhores e sobretudo os piores alunos saem beneficiados. Na Áustria, a tecnologia beneficia os melhores e penaliza os piores. Conclusões semelhantes, com pequenas variações, são verificáveis quando consideramos o desempenho em ciências e leitura, o que sugere que a relação entre a utilização de tecnologia fora da sala de aula e o desempenho escolar não depende da área de estudo.
Há futuro para a tecnologia na educação?
O que retirar deste novo estudo? Duas ideias principais. Por um lado, o impacto da utilização de tecnologia fora da sala de aula no desempenho escolar é, na maioria dos países, negativo quando considerada a totalidade dos alunos. Por outro lado, nestes países, são os grupos nos extremos da distribuição do aproveitamento escolar, os bons e os maus alunos, que são particularmente penalizados.
Pode concluir-se que não há futuro para uma utilização de tecnologia na educação? Naturalmente que não. A tecnologia está a modificar rápida e profundamente o mundo fora da escola e é inevitável que desempenhe também aí um papel fundamental. Há que refletir sobre estes resultados, mas também desenvolver mais investigação científica para identificar boas práticas, avaliar o seu impacto e, em última análise, promover uma aliança mais eficaz entre educação e tecnologia.
Duas ideias a reter, da investigação recente:
- Na maioria dos países, o impacto da utilização de tecnologia fora da sala de aula no desempenho escolar é negativo, quando considerada a totalidade dos alunos.
- Os bons e os maus alunos – os grupos nos extremos da distribuição do aproveitamento escolar – são particularmente penalizados por este efeito negativo.
Referências
[1] G.Bulman e R.W.Fairlie (2016): Technology and Education: Computers, Software, and the Internet, Handbook of the Economics of Education, Volume 5, pages 239-280. https://doi.org/10.1016/B978-0-444-63459-7.00005-1
[2] O. Falck, C. Mang e L. Woessmann (2018): Virtually No Effect? Different Uses of Classroom Computers and their Effect on Student Achievement. Oxford Bulletin of Economics and Statistics, Volume 80, Issue1, pages 1-38. https://doi.org/10.1111/obes.12192
[3] T. Agasisti, M. Gil-Izquierdo e S. Won Han (2020): ICT Use at home for school-related tasks: what is the effect on a student’s achievement? Empirical evidence from OECD PISA data, Education Economics, 28:6, 601-620, DOI: 10.1080/09645292.2020.1822787
AUTOR