A escola portuguesa — pública e privada — atravessa um período complicado. Depois de três anos letivos seguidos interrompidos pela pandemia, enfrentamos agora uma década que pode ser marcada pela falta de professores, prejudicando assim toda uma geração. Felizmente, há boas soluções para o problema.
Já escrevi sobre o modelo de recrutamento e qualificações, e o aumento dos salários dos professores. Neste texto quero olhar para a forma como os professores trabalham, introduzindo modelos de trabalho remoto e flexível.
A História parece jogar a nosso favor. Por um lado, as inovações tecnológicas recentes, em particular os avanços da inteligência artificial generativa (como o famoso ChatGPT), prometem revolucionar o sistema de ensino a médio e longo prazo. Se forem bem aproveitadas, essas inovações podem, já a breve trecho, genuinamente libertar os professores de muita papelada, e de tarefas burocráticas e repetitivas. Por outro, a pandemia obrigou-nos a mudar a relação com o local de trabalho, trazendo maior flexibilidade e dimensão remota a muitas profissões.
No nosso imaginário, a ideia de os professores trabalharem em casa é estranha. Quando pensamos em professores, pensamos em alguém sempre na escola, pois é lá que estão os alunos, as salas de aula e os quadros, sejam estes a giz, a caneta ou eletrónicos. No entanto, se olharmos com atenção, concluímos que uma parte muito significativa do dia de trabalho de um professor é passado numa secretária, a tratar dos mais variados assuntos. Porque não podem os professores ter flexibilidade, se assim a quiserem, para desempenhar essas tarefas de casa?
O primeiro passo é explicitar o que queremos dizer com «trabalho flexível». Pensamos em modelos como dar aulas de manhã e trabalhar de casa à tarde, ou acumular as horas letivas em quatro dias e trabalhar o quinto em casa. Outra possibilidade é fazer horas concentradas, ou seja, trabalhar uma hora a mais quatro dias por semana, e com isso não trabalhar na tarde do quinto dia — bem como usar certo número de dias por ano para tratar de assuntos pessoais ou familiares. Incluímos também, claro, sistemas mais simples, como o trabalho a tempo parcial (part-time) ou aposentações progressivas e faseadas. Apesar de evidente, é importante clarificar que, salvo o part-time, em que de facto se diminuem o número de horas trabalhadas, nenhum desses mecanismos reduz os rendimentos dos professores.
Um estudo recente, publicado pela reputada Education Endowment Foundation, analisou esta questão ao pormenor, precisamente com o intuito de perceber como pode o trabalho flexível contribuir para o recrutamento e retenção de professores. Teve por base 27 estudos recentes, publicados entre 2019 e 2023, a que juntou entrevistas, e a análise de 20 documentos com guias e melhores práticas de implementação desses modelos de trabalho.
Os investigadores realçam a perceção de que o trabalho flexível pode contribuir para o recrutamento, assim como para a retenção e bem-estar dos professores já no sistema de ensino, apesar de ainda não haver evidência robusta causal sobre o impacto destes modelos laborais nas escolas.
Contudo, a literatura aponta para quatro elementos positivos. O primeiro é o aumento do bem-estar e satisfação no trabalho. Em seguida, nota-se um efeito positivo na assiduidade, a produtividade e motivação dos docentes. Em terceiro, há maior disponibilidade de tempo e uma melhoria do desempenho dos professores. Por fim, contribui ainda para a progressão de carreira, diversifica o corpo docente e reduz as disparidades de rendimento entre géneros, fator importante tendo em conta o enorme impacto, em alguns países, da maternidade na carreira docente.
Naturalmente, apontam-se também algumas barreiras sentidas ao implementar o trabalho flexível. As mais presentes na literatura são problemas relacionados com a cultura da escola. Os diretores também se dizem preocupados com o facto de o trabalho flexível poder gerar inconsistências letivas que prejudiquem os alunos — e tornar a gestão de recursos humanos impossível, caso muitos professores adiram a esses modelos de trabalho. Por seu turno, os próprios professores, sobretudo mulheres, receiam que requerer trabalho flexível lhes possa prejudicar a carreira. Outras barreiras assinaladas são a dificuldade de articular os horários das aulas, os impedimentos financeiros (pode sair mais caro ter dois professores em tempo parcial que um só a tempo inteiro) e, claro, a falta de mão de obra.
A boa notícia é que o referido relatório aponta boas práticas e exemplos de casos em que o trabalho flexível foi bem-sucedido justamente por conseguir contrariar as barreiras assinaladas. São disso exemplos o apoio dos diretores, e casos em que a escola criou deliberadamente uma cultura que dá prioridade à valorização e bem-estar dos professores. Parece também benéfico este modelo ser implementado pela escola como um todo, de maneira sistemática, com regras e diretrizes estabelecidas e comunicadas de forma simples, clara e transparente.
Ser professor deve ser das profissões mais importantes e difíceis. Há, aliás, estudos a sugerir que a intensidade do trabalho dos professores é superior à dos advogados e profissionais de saúde, e que os níveis de stresse são semelhantes aos dos bombeiros e condutores de ambulâncias. O trabalho remoto e flexível parece ser uma excelente oportunidade de darmos melhores condições de trabalho aos nossos professores, e de garantirmos maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal, numa altura em que tão pouca gente quer abraçar esta carreira. Seria uma boa estratégia para modernizar a classe docente e convencer mais jovens a juntarem-se à profissão que molda o futuro do nosso país.
* As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado. O autor trabalha numa organização sem fins lucrativos em Inglaterra, especializada em desigualdades no sistema de ensino e acreditada para dar formação inicial e contínua a professores.
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