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Apesar de se ter atingido, nas escolas de todo o mundo, um número recorde de matrículas, a aprendizagem é limitada.

No mundo, há hoje mais crianças na escola do que em qualquer outro período da História, apesar das perturbações causadas pela pandemia. Em 2010, o adulto médio completara 7,6 anos de escolaridade, mais do dobro dos 3,2 anos de 1950. Estas estimativas, com base na revisão que fizemos dos dados de 164 países de todo o mundo, parecem representar um feito assinalável no progresso humano. Indicariam, em concreto, o potencial de pronunciado crescimento económico no mundo em desenvolvimento, o que justifica boa parte da diferença de matrículas.

No entanto, será que maior escolaridade conduz necessariamente ao progresso económico? Há muito que os especialistas no domínio do desenvolvimento defendem que a expansão das matrículas escolares dotaria a geração seguinte do conhecimento e das capacidades que levariam ao reforço das economias dos seus países e a melhorias na qualidade de vida. Uma nova base de dados de aproveitamento dos alunos sugere, todavia, que o aumento de matrículas tem sido acompanhado, na maior parte do mundo, por um crescimento baixo ou nulo da aprendizagem.

Conforme descrito no artigo «Measuring human capital using global learning data», que publicámos recentemente na revista Nature, construímos uma base de objetivos harmonizados de aprendizagem associando as avaliações regionais de disciplinas nucleares nos países menos desenvolvidos a testes de aproveitamento que se costumam realizar nas regiões mais ricas do planeta. Esta base, com 164 países, permite-nos comparar o desempenho dos alunos em regiões habitualmente excluídas das comparações internacionais, como a África Subsariana e a América Latina, ao dos alunos mais afluentes da Europa e da América do Norte.

Os dados abrangem 98 por cento da população global e acompanham os resultados de aprendizagem de 2000 a 2017.

Concluímos que, em 2010, as taxas de matrícula chegaram aos 90 por cento em todas as regiões, mas que, nas últimas duas décadas, os resultados de aprendizagem são baixos e pouco cresceram. Os alunos estão na escola, mas aprendem muito pouco.

Os países ricos, como os Estados Unidos, não são imunes ao que as organizações internacionais de assistência designaram por «crise de aprendizagem». Na América do Norte, que regista há décadas altas taxas de matrícula, o desempenho em testes estandardizados de leitura, matemática e ciências manteve-se praticamente inalterado entre 2000 e 2015. Ao mesmo tempo, os países que conseguiram atingir altos e notáveis índices de escolaridade, como o Brasil e o Gana, ainda têm índices de aprendizagem muito baixos.

O alargamento do acesso à escola pode dar mais oportunidades de aprendizagem, e não só, mas a escolaridade não garante aprendizagem; a relação entre ambos não é direta. Para compreendermos os potenciais benefícios do crescimento global da educação nas economias de todo o mundo, não podemos assumir que a escolaridade produz aprendizagem. É essencial medir a aprendizagem diretamente.

Uma relação alargada de aprendizagem

Nas últimas décadas, avaliações internacionais como o Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA) e o Estudo Internacional de Tendências em Matemática e Ciências (TIMSS) têm medido a aprendizagem num número cada vez maior de países. Em 2015, o PISA foi realizados por alunos de 71 países, e o TIMSS, por alunos de 65 países.

Estes testes estandardizados e psicométricos às capacidades cognitivas permitem estabelecer comparações globais de aprendizagem ao longo do tempo e entre países. Excluem, porém, muitos países de rendimentos baixos e médios. Isso dificulta a análise dos padrões de aprendizagem nos países em desenvolvimento, e são estes que mais têm a ganhar com a melhoria da qualidade na educação.

Para colmatar esta lacuna nos dados dos objetivos de aprendizagem e como referido, elaborámos a nova base de objetivos harmonizados de aprendizagem, que integra medidas de aprendizagem de 98 por cento da população global. A base alarga a 164 o número de países analisados, dos quais dois terços são países em desenvolvimento, e associa as avaliações internacionais às suas homólogas regionais. Por exemplo, a maioria dos alunos da África Subsariana, em vez do PISA ou do TIMSS, realizam exames ministrados pelo Consórcio da África Austral para a Monitorização da Qualidade da Educação (SACMEQ), e a maioria dos alunos da América Latina realizam testes do Laboratório Latino-Americano de Avaliação da Qualidade da Educação (LLECE). No seu conjunto, a base integra sete regimes de avaliação: três testes internacionais de âmbito global, três testes regionais e a Avaliação de Leitura nos Anos Iniciais (EGRA). Esta fornece pelo menos um dado dos últimos 10 anos para mais 48 países, entre os quais grandes economias em desenvolvimento, como o Bangladexe, a Nigéria e o Paquistão. Cada teste abrange entre 10 e 72 países.

Para criar medidas comparáveis, convertemos os resultados dos testes regionais numa escala internacional para cada disciplina (que inclui matemática, leitura e ciências) e grau de escolaridade (como o primário ou o secundário). Consegue-se fazê-lo quando um país ou mais participou num teste regional e noutro internacional em anos sucessivos no dito período, entre 2000 e 2017. Depois, aplicámos a conversão a países que participaram num teste regional, mas não num internacional, de maneira a produzir resultados comparáveis, que designámos por objetivos harmonizados de aprendizagem. Nesta escala, considera-se alto desempenho um resultado de 625. Os resultados de países concretos variam; por exemplo, no último ano disponível, os Estados Unidos registam 545, o México, 453, e o Uganda, 391.

Escolaridade não é aprendizagem

Os resultados mostram que, nas duas últimas décadas, o progresso na aprendizagem tem sido limitado, mesmo quando se alargaram as oportunidades de aprendizagem. Num olhar transversal pelas regiões, encontramos 72 países com dados no ensino primário que incluem, pelo menos, matrículas e aprendizagem. Primeiro, considerámos as taxas de matrícula com base nas estimativas de Jong-Wah Lee e Hanol Lee, que evidenciam um elevado padrão de matrículas, que vai aumentando até 2010. Em seguida, comparámos as tendências na aprendizagem a partir das estimativas da base de dados, as quais mostram uma evolução baixa ou nula em todas as regiões do mundo (Figura 1).

Figura 1

Por exemplo, na região do Médio Oriente e África Setentrional, as taxas de matrícula no ensino primário atingem 99 por cento até 2010. No entanto, entre 2000 e 2015, os níveis de aprendizagem continuam a rondar os 380 — o que não fica muito acima do referencial de 300 para um desempenho baixo. Quando olhamos para casos concretos, muitos países em desenvolvimento conseguiram níveis de escolaridade substanciais, mas ainda não atingiram taxas de aprendizagem altas. O Gana regista 11,6 anos de escolaridade estimada, mas a aprendizagem, de apenas 229, não atinge sequer o referencial de desempenho baixo. O Brasil chegou aos 11,7 anos de escolaridade estimada; só atinge, porém, uma aprendizagem de 426 — muito abaixo do referencial de 625 para um desempenho alto.

Estas conclusões reforçam as mensagens deixadas, em 2018, num relatório do Banco Mundial, no qual se realçava igualmente a forte diferença entre escolaridade e aprendizagem nos países em desenvolvimento. Por exemplo, no Quénia, na Tanzânia e no Uganda, três quartos dos alunos do 3.º ano, habitualmente de oito ou nove anos, não são capazes de ler uma frase básica como «O cão chama-se Piloto». E na Índia rural e no Uganda, mais de 80 por cento dos alunos do 2.º ano não conseguem resolver um problema de subtração com números maiores que 10, por exemplo, 46 − 17.

É possível que, em regiões como a África Subsariana, à medida que as matrículas aumentam substancialmente e os novos alunos, de desempenho inferior, participam nos testes de aprendizagem, os resultados médios diminuam por efeito de seleção. O forte crescimento das matrículas desde 2000 aponta em particular para esta possibilidade. Este aumento seguiu-se a importantes declarações, caso da Educação para Todos, bem como à introdução de legislação que estipula escolaridade obrigatória e a eliminação de custos de matrícula em muitos países em desenvolvimento. Observamos, contudo, uma lenta evolução na aprendizagem, mesmo nas regiões onde os níveis de matrícula são relativamente constantes e altos, como a América do Norte e as Caraíbas, o que indica que estas tendências não se devem meramente a um enviesamento estatístico de seleção.

Calculámos ainda os níveis médios de aprendizagem no ensino primário para a leitura, a matemática e as ciências na totalidade dos 164 países representados na base de dados. Os níveis médios de aprendizagem nos países de rendimento alto superam em muito os das economias em desenvolvimento (Figura 2). Numa análise transversal, a América do Norte tem os níveis médios de aprendizagem mais altos, seguida da Europa e da Ásia Central. A África Subsariana e a Ásia Meridional têm simultaneamente os mais baixos.

O desempenho de países específicos destas regiões é, no entanto, variável; alguns contrariam mesmo as tendências regionais. Por exemplo, na África Subsariana, países como o Quénia e a Tanzânia têm níveis de aprendizagem mais altos, em pé de igualdade com muitos países da América Latina. Na própria América Latina, alguns países de desempenho mais alto, caso do Chile, têm níveis de aprendizagem em pé de igualdade com a Europa. A maioria dos países do Médio Oriente tem resultados semelhantes ou piores que os da América Latina, ao passo que alguns países asiáticos, como Singapura, superam a América do Norte e a Europa.

Figura 2

Mais do que à escolaridade, é à aprendizagem que se associa o crescimento económico

Estas diferenças têm amplas implicações nas economias nacionais, que não foram ainda totalmente consideradas nas principais medidas de desenvolvimento global. Por exemplo, o índice de desenvolvimento humano — que cria uma única medida nacional de bem-estar com base na esperança média de vida, na educação e no nível de vida —, da responsabilidade das Nações Unidas, recorre ao número de anos de escolaridade como indicador do capital humano. O acesso à escola correlaciona-se com diversas medidas de bem-estar nacional, mas estudos anteriores mostraram fraca relação entre os anos de escolaridade e o crescimento económico. Em contrapartida, as medidas que recorrem à aprendizagem para definir o capital humano revelam uma associação mais forte ao crescimento económico (cf. «Education and Economic Growth», Education Next, primavera de 2008).

Os dados respeitantes aos objetivos harmonizados de aprendizagem permitem-nos documentar estes padrões a uma escala global (Figura 3). Os resultados dos testes dos alunos, quando usados para definir o capital humano de um país, justificam entre um quinto e metade das diferenças entre países no que respeita aos níveis de rendimento. Isto é quase o dobro do que se obtinha quando as estimativas partiam do número de anos de escolaridade do aluno médio de um país. A aprendizagem tem uma relação mais forte e positiva com o crescimento económico do que a escolaridade.

Figura 3

No entanto, maior rendimento económico não produz inevitavelmente uma sociedade com mais educação e formação. Considerámos o rendimento per capita e os níveis médios de aprendizagem de todos os países da base de dados e encontrámos grande variação no desempenho dos países, quando comparado com o previsto pelos seus rendimentos (Figura 4). Por exemplo, os Estados Unidos, quando comparados com todos os outros países, têm um resultado que corresponde ao previsto no seu nível de rendimento per capita. No entanto, o desempenho fica abaixo do de países com níveis de rendimento semelhantes, como Singapura. Encontramos também países muito menos desenvolvidos mas com bons desempenhos, casos da Polónia e do Vietname, e outros países ricos, como alguns do Médio Oriente, com desempenho muito abaixo do previsto pelo seu rendimento per capita. Isso pode dever-se ao facto de as suas economias dependerem muitíssimo de recursos naturais, que exigem menor investimento na educação, e não de mão de obra altamente qualificada, que requer grandes níveis de capital humano. A África do Sul e o Quénia apresentam mais um contraste marcante; o desempenho do Quénia supera o do seu país vizinho, muito mais rico.

Figura 4

Dar atenção à aprendizagem

Esta análise dá-nos boas e más notícias. A boa é que o mundo está a caminho de conseguir alcançar, em 2030, a matrícula universal no ensino primário. A má é que, na maioria dos países, os objetivos de aprendizagem pouco evoluíram. Os resultados mostram que a crise de aprendizagem é global.

Chegou o momento de agir. Os dados de países de rendimento alto, nos quais se aplicam regularmente testes estandardizados de medição da aprendizagem, mostram que as estimativas de crescimento económico baseadas nos resultados da aprendizagem são muito mais preditivas do que aquelas que se baseiam na frequência escolar. Estas estimativas muitas vezes não têm existido, numa escala que possa ser globalmente comparável, em países de rendimento médio e baixo.

Precisamos de medir e promover a aprendizagem como meta prioritária em todo o mundo, tal como temos medido e melhorado o acesso à escolaridade nos últimos 50 anos. O mundo conseguiu, em média, expandir muitíssimo a escolaridade, em parte porque a foi medindo, com rigor e consistência. É preciso dar a mesma atenção à aprendizagem.

A nossa base de dados global e a sua análise podem indicar-nos o caminho. Com o alargamento de testes estandardizados e novos instrumentos que explicitam as comparações entre avaliações feitas em todo o mundo, podemos medir a aprendizagem com maior precisão e clareza do que no passado. Os países têm de proporcionar aos alunos mais do que o simples acesso à escola. Em todo o mundo, os cidadãos precisam de uma educação que promova altos níveis de aprendizagem, de maneira a garantir a prosperidade global no século XXI.

 

Crédito: Reeditado com a permissão de Education Next, EducationNext.org

 

Sobre os autores:

Noam Angrist é membro da Universidade de Oxford, cofundador da Young 1ove e consultor do Banco Mundial, onde Harry Patrinos é gestor de educação. Simeon Djankov e Pinelopi Goldberg, ex-colaboradores do Banco Mundial, são membros seniores do Instituto Peterson de Economia Internacional. Goldberg é também professor Elihu de Economia na Universidade de Yale. Este artigo traduz o essencial do artigo dos mesmos autores «Measuring human capital using global learning data», publicado na revista Nature (março de 2021).

AUTORES

Harry Anthony Patrinos é atualmente o Practice Manager de educação do Banco Mundial para a região da Europa e Ásia Central. Doutorado pela Universidade de Sussex, integrou o Conselho Económico do Canadá e é autor de mais de 40 artigos em revistas científicas e outras publicações especializadas. Ao longo da sua carreira, Harry Patrinos tem liderado programas de estudo e financiamento na área da educação na Argentina, Colômbia e México. Destes, destaca-se o projeto regional de investigação sobre as condições socioeconómicas dos povos indígenas da América Latina, publicado pela editora Palgrave Macmillan sob o título Indigenous Peoples, Poverty and Human Development in Latin America (2006).

Harry Patrinos é também coautor das seguintes obras: Policy Analysis of Child Labor: A Comparative Study (St. Martin’s, 1999), Decentralization of Education: Demand-Side Financing (World Bank, 1997) e Indigenous People and Poverty in Latin America: An Empirical Analysis (World Bank/Ashgate, 1994).

Simeon Djankov

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