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Um ano de pandemia e vários meses de encerramento das escolas depois, a aferição das perdas de aprendizagem ganha particular relevância. Inicia-se também um debate sobre possíveis programas de recuperação de aprendizagem, em particular para aqueles alunos que já apresentavam dificuldades antes da pandemia, ou que estão integrados em contextos familiares mais desfavorecidos.

Programas de tutoria, ou seja, momentos individualizados, ou em pequenos grupos, de apoio complementar aos alunos, têm sido uma das políticas mais insistentemente colocada em cima da mesa como um caminho para a recuperação. Em vários estudos pré-pandemia, sessões de tutoria revelaram-se consistentemente como um dos programas, senão o programa, com mais impacto, levando frequentemente a uma progressão de pelo menos 3 meses de aprendizagem. E os dados acumulam-se.

Características dos programas de tutoria

Um recente artigo reviu cerca de 96 estudos que avaliaram diversos programas de tutoria em vários países da OCDE. Todos estes programas foram avaliados através de ensaios controlados aleatórios, em que os alunos foram alocados ao programa de forma aleatória, fazendo que esta alocação não seja influenciada por nenhum outro fator ou característica dos alunos e das escolas, o que poderia enviesar a sua correta avaliação.

De entre os estudos analisados nesta meta-análise encontram-se alguns de maior dimensão, abrangendo entre 500 e 7 000 alunos, sendo assim avaliações que nos permitem retirar conclusões mais rigorosas acerca das características a ter em conta no alargamento deste tipo de programas.

Resultados de recentes programas de tutoria

Muito recentemente, foram publicados os resultados do programa Saga Education, um programa de tutorias de matemática em Chicago que durante dois anos abrangeu mais de 5 mil alunos do 9.º e 10.º anos. A avaliação deste programa foi igualmente feita com base num ensaio controlado aleatório, permitindo identificar de forma rigorosa a relação causa-efeito deste tipo de programas. O programa ocorreu entre 2013 e 2015, sendo que foram analisados dois conjuntos de alunos, um a quem o programa foi ministrado durante um ano e outro que o recebeu durante dois anos.

Os alunos inscritos foram distribuídos por grupos de dois alunos alocados a um tutor, numa hora de tutoria por dia, com 40 minutos de conteúdos desenhados em específico para os alunos abrangidos. No total os alunos receberam cerca de 140 horas de tutoria por ano.

Os tutores recrutados eram recém-licenciados, previamente testados nos seus conhecimentos a matemática e nas suas capacidades de relacionamento interpessoal e que receberam cerca de 100 horas de formação no Verão anterior ao ano letivo em que iniciaram o seu trabalho como tutores.

Os impactos deste programa são impressionantes. Considerando resultados em testes padronizados a matemática, estima-se que os alunos que receberam o programa SAGA Education durante um ano viram o seu progresso duplicar em relação ao aluno mediano, fazendo a sua posição no percentil de resultados subir em cerca de 6 pontos. Os alunos que participaram o programa no segundo ano viram os seus resultados progredir em cerca de 14 pontos de percentil.

Os resultados na disciplina de matemática destes alunos abrangidos pelo programa aumentaram substancialmente em 0.56 pontos (numa escala de 1-4) com a taxa de reprovações a matemática a cair em 49%. Estes impactos foram duradouros no tempo e extensíveis a outras disciplinas não abrangidas pela tutoria. Estes mesmos alunos voltaram a ser observados no final do 11.º ano, sendo que aqueles abrangidos pelo programa de tutorias mostraram ter uma média global a todas disciplinas superior em 0,18 pontos (numa escala de 1-4).

Dada a magnitude destes resultados, os autores tentam identificar o mecanismo responsável por este impacto. Uma das hipóteses apresentada sublinha que as tutorias complementam a aprendizagem num ambiente mais calmo do que aquele em sala de aula, onde os alunos se podem distrair mais facilmente. Contudo, analisando a variabilidade dos resultados ao longo de escolas com diferentes níveis de comportamento, conclui-se que estes não explicam os impactos dos programas de tutoria. Alternativamente, os autores avançam que estes fortes impactos positivos são explicados pelo ensino mais individualizado que as tutorias permitem.

Os autores complementaram o estudo com uma análise custo-benefício do programa. Considerando o potencial progresso de aprendizagem dos alunos se traduz numa maior probabilidade de sucesso escolar e como tal em rendimentos futuros mais elevados, estimou-se que por cada dólar investido neste programa de tutorias o retorno se cifre entre 2,6 e 6 dólares, valores acima do normalmente encontrado noutros programas educacionais.

Outros programas, focados não em Matemática, mas em Literacia, e para alunos mais novos, do 1.º ano, mostraram igualmente ter fortes impactos nas aprendizagens dos alunos. Um exemplo é o Reading Recovery, cujas tutorias foram realizadas por professores da escola e que chegaram a mais de 6 800 alunos em 1 200 escolas nos Estados Unidos entre 2011-2015. Os impactos sobre a aprendizagem em Leitura foram muito elevados, fazendo os alunos progredir em cerca de 18 pontos de percentil.

Tutorias em contexto de pandemia

Estes impactos foram medidos num contexto pré-pandemia, sendo expectável que estes resultados sejam ainda mais relevantes depois de um prolongado período de ensino a distância, causador de atraso e desigualdades tanto a nível cognitivo como não cognitivo. Já durante a pandemia, programas de tutoria foram aplicados, por exemplo em Itália junto de alunos do ensino básico. O interessante deste programa é que não só mediu impactos académicos, encontrando resultados semelhantes àqueles identificados noutros programas de tutoria, mas mediu igualmente impactos sobre dimensões como o bem-estar psicológico, aspirações e desenvolvimento socio-emocional, todas mostrando progressos relevantes junto dos alunos que receberam estas tutorias.

Referências

Apart but connected: Online tutoring and student outcomes during the covid-19 pandemic. (sem data). Acedido a 27 de abril de 2021, em https://www.hks.harvard.edu/publications/apart-connected-online-tutoring-and-student-outcomes-during-covid-19-pandemic

Guryan, J., Ludwig, J., Bhatt, M. P., Cook, P. J., Davis, J. M. V., Dodge, K., Farkas, G., Jr, R. G. F., Mayer, S., Pollack, H., & Steinberg, L. (2021). Not too late: Improving academic outcomes among adolescents (N. w28531). National Bureau of Economic Research. https://doi.org/10.3386/w28531

Nickow, A., Oreopoulos, P., & Quan, V. (2020). The impressive effects of tutoring on prek-12 learning: A systematic review and meta-analysis of the experimental evidence (N. w27476). National Bureau of Economic Research. https://doi.org/10.3386/w27476

One to one tuition | Toolkit Strand. (sem data). Acedido a 27 de abril de 2021, em https://educationendowmentfoundation.org.uk/evidence-summaries/teaching-learning-toolkit/one-to-one-tuition

Sirinides, P., Gray, A., & May, H. (2018). The impacts of reading recovery at scale: Results from the 4-year i3 external evaluation. Educational Evaluation and Policy Analysis, 40(3), 316–335. https://doi.org/10.3102/0162373718764828

AUTORES

Hugo Reis é economista investigador no departamento de estudos económicos (área de estudos estruturais) no Banco de Portugal, professor auxiliar convidado na Universidade Católica Portuguesa, membro da unidade de investigação da CATÓLICA-LISBON e do IZA - Institute for the Study of Labor. 

Detém um Doutoramento em economia pela UCL - University College London, sob a supervisão de Pedro Carneiro e Orazio Attanasio, e foi consultor no Development Economics Research Group do Banco Mundial.

Os seus tópicos de investigação incluem economia de educação, avaliação de programas, mercado de trabalho, microeconometria e desenvolvimento económico, temas em que tem diversos trabalhos desenvolvidos e publicados em revistas científicas peer-reviewed internacionais, incluindo a International Economic Review.

Pedro Freitas é doutorando em Economia na Nova School of Business and Economics (Nova SBE), instituição onde é membro do Nova Center for the Economics of Education e onde obteve a sua licenciatura e MPhil em Economia. A sua investigação foca-se em tópicos de Economia da Educação e Capital Humano, tais como: medidas de valor acrescentado de professores, diferenciais entre notas internas e externas, externalidades de capital humano no mercado de trabalho ou as razões por detrás da progressão nos testes PISA. O seu trabalho usa bases de microdados compreensivas tanto do mercado de trabalho como do sistema de ensino português. Esteve igualmente envolvido na avaliação de impacto de diferentes projetos educacionais desenvolvidos em Portugal. Foi aluno visitante no departamento de economia da University College of London (UCL) e no departamento de estudos do Banco de Portugal. É assistente convidado na Nova SBE de diversas cadeiras de licenciatura e mestrado. 

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