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Na semana em que se realiza a Web Summit 2019, em Lisboa, são tornados públicos os resultados do ICILS 2018: o primeiro estudo por amostragem de larga escala realizado em Portugal com o objetivo de avaliar a literacia digital dos alunos a frequentar o 8.º ano de escolaridade.

Dos 14 países e regiões de todo o mundo  que participaram no estudo, Portugal ficou colocado a meio da tabela de literacia de computadores e informação (CIL). Contudo, os alunos Portugueses ficaram posicionados na penúltima posição da escala de pensamento computacional (CT). As raparigas obtiveram pontuações significativamente superiores aos rapazes em CIL, mas inferiores em CT. Um terço dos alunos revelou apenas competências básicas na utilização dos computadores e apesar de 2/3 utilizar um computador há pelo menos cinco anos, a grande maioria não o faz para fins escolares. O número de computadores insuficiente para o ensino e as limitações de acesso à internet são apontadas como as principais restrições ao uso das TIC em contexto escolar. Os dados do ICILS questionam a generalização de que os jovens são “nativos digitais”: a simples exposição às tecnologias de informação e comunicação não é, por si só, suficiente para o desenvolvimento de competências avançadas de literacia digital. Questionam igualmente a ideia de que a capacidade de desenvolver um raciocínio computacional deriva diretamente da familiaridade com o mundo digital.

Em Portugal, à semelhança do que acontece noutros países, disponibilizar tecnologias de informação e comunicação por si só não é suficiente para o desenvolvimento de competências avançadas de literacia digital.

A literacia digital é uma necessidade básica nas sociedades modernas. Nas atividades profissionais, sociais e de lazer a utilização de recursos tecnológicos integrados (hardware, software, redes e produtos digitais), geralmente designados por tecnologias de informação e comunicação (TIC), é incontornável. No ensino, as TIC rapidamente se constituíram como elementos fundamentais na sala de aula do século XXI, sendo cada vez mais consensual que o uso efetivo das TIC é imperativo à participação e cidadania ativa nas sociedades modernas. Conscientes deste facto, quer os governos quer organizações não-governamentais, têm procurado universalizar o acesso das populações, em particular as mais jovens em contexto escolar, às novas tecnologias de informação e comunicação.

Em Portugal, o programa governamental «e-iniciativas», lançado em 2007, procurou apetrechar os professores e estudantes com plataformas tecnológicas (nomeadamente computadores portáteis e internet de banda larga). Em paralelo, o «Plano Tecnológico da Educação» promoveu a infraestruturação tecnológica das escolas e a disponibilização de conteúdos e serviços online de forma a reforçar as competências digitais de alunos e professoresa. Passado pouco mais de uma década destes programas, quão bem preparados estão os alunos, do país anfitrião da Web Summit, para estudar, trabalhar e viver numa sociedade digital? Serão os jovens portugueses “nativos digitais”? E como se comparam com jovens de outros países e regiões? Os resultados do International Computer Information and Literacy Study (ICILS ) – o primeiro estudo por amostragem de larga escala realizado em Portugal sobre esta temática - permitem responder a estas e outras questões. 

Portugal a meio da tabela da literacia digital…

O ICILS, realizado em 2018, envolveu cerca de 46 000 estudantes e 26 000 professores em 12 países (Alemanha, Cazaquistão, Chile, Dinamarca, EUA, Finlândia, França, Itália, Luxemburgo, Portugal, República da Coreia, e Uruguai) e duas regiões de benchmarking (Moscovo - Federação Russa, e North Rhine-Westphalia - Alemanha)b. O estudo avalia - numa escala com ponto médio de 500 pontos e desvio-padrão de 100 pontos - os conhecimentos, capacidades e compreensão que os alunos precisam demonstrar para ter sucesso na sociedade de informação, bem como as capacidades de pensamento computacional na utilização de recursos informáticos para resolver problemas do dia a diac.

No ICILS 2018 a literacia digital é definida por dois domínios:

  1.  Literacia de computadores e informação (Computer Information Literacy – CIL) – que avalia as competências dos alunos para aceder, avaliar e usar a informação digital de forma produtiva;  e
  2.  Pensamento Computacional (Computational Thinking – CT), - que avalia a capacidade do aluno para conceptualizar problemas e formular soluções que podem ser implementadas num computadorc .  

Paralelamente, o estudo recolhe informação de contexto dos alunos e seus professores sobre a utilização, crenças e atitudes face às TIC. 

Em Portugal, participaram 3221 alunos a frequentar o 8.º ano de escolaridade e 2823 professores em 189 escolas selecionadas aleatoriamente de todo o território nacional estratificado por regiões NUTS III. Os alunos Portugueses obtiveram uma pontuação média de 516 pontos no domínio da literacia digital, o que corresponde à 7.ª posição da escala ordenada do CIL dos 14 países e regiões participantes na edição de 2018. Estes resultados colocam os alunos Portugueses a par dos alunos Alemães e significativamente acima dos alunos de França, Luxemburgo, Chile, Uruguai e Cazaquistão. Em Portugal, as alunas Portuguesas obtiveram uma pontuação média (522 pontos) superior em 11 pontos à pontuação dos rapazes, diferença em linha com a tendência internacional (18 pontos de diferença entre raparigas e rapazes).

Os alunos Portugueses obtiveram uma pontuação média de 482 pontos em Pensamento Computacional, apenas significativamente superior ao desempenho dos alunos Luxemburgueses, o que os coloca na penúltima posição da escala ordenada dos oito países que participaram neste domínio opcional. Neste domínio, a diferença média entre rapazes (490 pontos) e raparigas foi de 17 pontos. A nível internacional esta diferença foi de quatro pontos favoráveis aos rapazes.

 

No 8.º ano de escolaridade, um terço dos alunos Portugueses revela apenas capacidades básicas na utilização dos computadores…

A nível internacional, 18% dos alunos, amostrados nos 14 países/regiões participantes, revelaram não ter conhecimento funcional do computador como ferramenta de trabalho (abaixo do nível 1 de proficiência); cerca de 25% apresentaram conhecimento de trabalho funcional com computadores e pesquisa de informação (nível 1); 36% consegue usar os computadores sob instruções diretas sobre o que fazer (nível 2); 19% dos alunos revelou independência e autonomia na utilização dos computadores (nível 3); e apenas 2% revelaram controlo de execução e avaliação critica na pesquisa e produção de informação (nível 4).  

Em Portugal, 7% dos alunos amostrados ficou colocado abaixo do nível 1 de proficiência da Escala CIL, um valor significativamente inferior à média internacional; 27% alcançaram o nível 1 de desempenho e 46% ficaram posicionados no nível 2 de proficiência média. Apenas 1% dos alunos amostrados alcançou o nível de proficiência mais elevado.

Cerca de um terço dos alunos Portugueses a frequentar o 8.º ano de escolaridade no ano letivo de 2017/2018 apenas apresentam literacia digital de nível básico (nível inferior ou igual a 1). Esta percentagem está ao nível da Alemanha, é significativamente melhor do que a do Luxemburgo (51%) e França (43%), mas consideravelmente pior do que a da Dinamarca (17%) ou da Finlândia (28%).

 

… apesar de dois terços dos alunos Portugueses usarem um computador há cinco ou mais anos, a grande maioria não o utiliza para fins escolares.

Cerca de dois terços (63%) dos alunos portugueses dizem utilizar um computador há pelo menos cinco anos, valor que é significativamente superior à média internacional (43%), apenas inferior à Finlândia (69%) e Moscovo (65%) e o dobro do observado na Alemanha e Itália (ambos com 36%). Ainda assim, a familiaridade com o computador não foi relevante para o desempenho em CIL dos alunos Portugueses: apenas 3% deste desempenho é explicado por ano de utilização dos computadores. Os alunos que reportaram usar computadores há pelo menos cinco anos obtiveram, em média, mais 23 pontos do que os outros estudantes. Esta diferença foi de 19 pontos no domínio do Pensamento Computacional.

Dos alunos que reportaram utilizar as TIC diariamente, 7% referiu utilizar estas ferramentas na escola para fins escolares, enquanto que 36% refere o uso, na escola, para atividades não-escolares. A maioria (70%) utiliza as TIC diariamente fora da escola em atividades não escolares enquanto que apenas 10% referiu usar as TIC diariamente fora da escola para fins escolares. Esta percentagem é metade da observada na amostra internacional, contrastando fortemente com outros países, como, por exemplo, a Dinamarca onde 8 em cada 10 alunos referiu utilizar as TIC diariamente para trabalho escolar.

 

Os professores utilizam as TIC, mas necessitam de apoio das suas escolas para promover estas tecnologias na sala de aula.

A nível internacional a larga maioria dos professores amostrados referiu usar as TIC há mais de cinco anos na preparação das aulas (62%) e durante as aulas (72%). Em Portugal, as mesmas percentagens foram 87% e 94%, respetivamente. Contudo, apenas 49% dos professores Portugueses referiu, à semelhança da amostra internacional (48%), usar as TIC diariamente em atividades letivas. As áreas de utilização das TIC onde os professores Portugueses referiram estar menos confiantes foram a utilização dos sistemas de gestão de conteúdos (Learning Management Systems) (64%), colaboração com outros (60%), sendo de cinco pontos a diferença média da confiança na utilização das TIC entre professores com menos vs. com mais de 40 anos. Os professores referiram ainda maior probabilidade de promoverem a literacia de computadores e informação (CIL) e do pensamento computacional (CT) na sala de aula se forem utilizadores proficientes das TIC, e se as suas escolas promoverem a colaboração na utilização das TIC no ensino.

 

O deficiente acesso à internet e a falta de computadores disponíveis para o ensino são as principais limitações das escolas

A nível internacional, aproximadamente 50% dos alunos frequenta escolas onde os coordenadores de TIC amostrados consideram que o número de computadores disponíveis para o ensino e com acesso à internet adequado é insuficiente. Em Portugal, esta limitação é ainda mais severa com cerca de 2 em cada 3 alunos a frequentar escolas com um número de computadores insuficientes para as atividades letivas (63%) e com internet insuficiente ou de baixa velocidade (73%).

Relativamente à disponibilidade de recursos pedagógicos para o uso das TIC nas escolas, cerca de 3 em cada 4 alunos Portugueses frequenta escolas onde os coordenadores de TIC consideram que os professores não têm tempo suficiente para preparar aulas (75%), não têm competências de TIC suficientes (72%), nem apoio adequado para formação profissional (72%). A nível internacional, as mesmas percentagens são, respetivamente, 64%, 65% e 59%.

 

O pensamento computacional deve ter maior ponderação no currículo

A maioria dos países participantes apresenta menção explicita ou implícita a diferentes componentes da literacia de computadores e informação (CIL) nos seus currículos. Contudo, referências ao pensamento computacional são muito menos frequentes. Em Portugal, sete das nove dimensões da literacia de computadores e informação (CIL) referidas no ICILS 2018 têm menção explicita nas disciplinas de TIC em um ou mais anos do 3.º ciclo do ensino básico. Contudo, no pensamento computacional, apenas 5 das 12 dimensões deste domínio são mencionadas explicitamente no currículo nacional, o que aliás está alinhado com a tendência internacional.

 

A crença que os jovens são “nativos digitais” é um mito urbano?!…

Os resultados do ICILS 2018 revelam que a exposição aos computadores e às tecnologias digitais não é suficiente para desenvolver a literacia digital dos alunos portugueses. A pontuação média de Portugal no domínio literacia digital (computadores e informação) está no meio da tabela dos 14 países e regiões participantes, enquanto que no pensamento computacional os alunos portugueses ficaram posicionados na penúltima posição da escala ordenada dos nove países que avaliaram este domínio. Um terço dos alunos Portugueses avaliados apenas revelou competências digitais de nível básico, apesar de dois terços terem referido que usam computador há pelo menos cinco anos. A familiaridade com os computadores apresentou um efeito reduzido no desempenho dos alunos Portugueses em CIL. Estas conclusões contrariam a generalização de que a simples exposição às tecnologias de informação e comunicação torna os jovens proficientes no seu uso. Em Portugal, à semelhança do que acontece noutros países, disponibilizar tecnologias de informação e comunicação por si só não é suficiente para o desenvolvimento de competências avançadas de literacia digital.

Os currículos e a sua execução têm de conseguir integrar melhor, onde apropriado, o uso das ferramentas digitais enfatizando o pensamento computacional. Os alunos precisam que lhes ensinem a utilizar os computadores mais eficientemente. Os professores têm de ser apoiados no uso efetivo das novas tecnologias de comunicação e informação em sala de aula. 

Referências

a Plano Tecnológico da Educação.

b Fraillon, J.; Ainley, J. Schulz, W.; Friedman, T. & Duckworth, D. (2019). «Preparing for Life in a Digital World». IEA International Computer and Information Literacy Study 2018 International Report. Amsterdam, The Netherlands: IEA.
c Fraillon, J.; Ainley, J. Schulz, W.; Duckworth, D. & Friedman, T. (2019). IEA International Computer and Information Literacy Study 2018 Assessment Framework. Amsterdam, The Netherlands: IEA.

 

AUTOR

João Marôco (Ph.D., Washington State University) é professor catedrático no ISPA-IU onde leciona disciplinas de Análise Estatística, Métodos de Investigação e Técnicas Avançadas de Análise de Dados; e Professor II na Nord University, Noruega onde desenvolve trabalho de investigação em Burnout e Envolvimento Académico no Ensino Superior.  É consultor do Banco Mundial e da Iniciativa Educação Teresa e Alexandre Soares dos Santos em Estatísticas da Educação. Entre 2014 e 2018 foi vogal do conselho diretivo do IAVE, I.P. onde coordenou os estudos de avaliação por amostragem em larga escala (PISA, TIMSS, PIRLS, ICILS) e o projeto piloto de e-Assessment. Os seus interesses de investigação incluem a avaliação e desenvolvimento de escalas psicométricas, aplicações de regressão, modelação de equações estruturais, avaliação e amostragem em larga escala e classificação nas ciências biológicas, da saúde, sociais e humanas. Atualmente, publicou 450 artigos em revistas nacionais e internacionais com arbitragem científica e quatro livros sobre Análise Estatística, Análise de Equações Estruturais e Avaliação Psicométrica. De acordo com o Google Scholar, o seu trabalho académico foi citado mais de 43 000 vezes (H = 73; i10 = 280). Segundo o AD Scientific Index pertence ao Top 2% dos académicos mais citados em Portugal e do Mundo. Faz parte ainda do top 2% de cientistas mundiais no Ranking da Universidade de Stanford.

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