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Ler histórias às crianças tem um papel fundamental na aquisição de vocabulário. No artigo «Timing storytime to maximize children’s ability to retain new vocabulary», publicado em 2021, na revista Journal of Experimental Child Psychology, um grupo de investigadores da Universidade de York procurou verificar em que medida crianças entre os cinco e os sete anos aprendem palavras novas ao ouvirem os pais a ler uma história. Os investigadores procuraram ainda verificar se a leitura é particularmente benéfica perto da hora de dormir. As conclusões são interessantes.

Aprender e reter vocabulário

Os livros de histórias infantis contêm fontes de informação linguística diversificadas, potencialmente benéficas para a alfabetização e desenvolvimento da linguagem nas crianças. A aprendizagem de vocabulário é um processo demorado que, segundo a literatura, beneficia da prática de repetição, recuperação e reactivação durante o sono. A investigação sobre a aprendizagem de vocabulário tem verificado que as crianças, após o sono, tendem a demonstrar melhorias na capacidade de reconhecer palavras aprendidas recentemente e até mesmo de palavras sem sentido (pseudopalavras).

De acordo com diversos estudos, a exposição das crianças à leitura de histórias, através da escuta ou da leitura acompanhada por um adulto, promove o desenvolvimento do vocabulário, principalmente em idade escolar. Segundo Henderson e os restantes autores do referido artigo, publicado em 2021, no Journal of Experimental Child Psychology, estes resultados são consistentes com a ideia de que aprender vocabulário em contextos potencialmente estimulantes é extremanente benéfico para as crianças. Num estudo publicado já em 2013, uma equipa liderada pela mesma investigadora concluiu que, após uma semana de ensino explícito de vocabulário, as crianças evocaram mais palavras quando a aprendizagem se fez a partir de informações semânticas (através de definições ou de imagens) do que a partir de informações fonológicas e ortográficas.

Será que as palavras aprendidas são retidas na memória de longo prazo?

A investigação tem procurado responder a esta pergunta que, até hoje, permanece em aberto. No entanto, no artigo de 2021, a que nos referimos, os investigadores indicam dois pontos importantes, referidos na literatura: o conhecimento prévio das crianças e o tempo entre o sono e a aprendizagem de novos termos.

O conhecimento prévio das crianças acerca do significado das palavras é, provavelmente, uma das variáveis-chave na ligação entre a aprendizagem de vocabulário e a retenção na memória de longo prazo. Wilkinson e Houston-Price analisaram, em 2013, a influência do conhecimento prévio de vocabulário na compreensão de palavras aprendidas a partir da escuta de histórias. Os autores verificaram que, de facto, o conhecimento prévio exerce uma influência significativa na compreensão do significado de palavras novas, quer vinte e quatro horas depois da exposição às histórias, quer após quinze dias. Em 2017, James e outros investigadores verificaram, também, que o conhecimento lexical prévio prediz a capacidade de retenção de novas palavras, o que reforça a ideia de que pode desempenhar um papel importante no processo de retenção na memória de longo prazo e apoiar os processos envolvidos na aquisição inicial de vocabulário.

O tempo que decorre entre a aprendizagem e o sono é também uma das variáveis-chave nos processos de retenção de vocabulário. De acordo com a investigação mais recente, pode ser mais benéfico para as crianças aprenderem novas palavras perto da hora de dormir. Num estudo de 2020, Walker e outros investigadores verificaram que as crianças que aprenderam vocabulário na parte da tarde (entre as 14 e as 16 horas) memorizaram mais palavras do que as que aprenderam vocabulário de manhã (entre as 8 e as 10 horas). O conhecimento acerca desta questão é ainda pouco claro, sendo necessária mais investigação.

    O estudo de Henderson e colaboradores: objectivo e participantes

    O trabalho de Henderson e restantes investigadores, que serve de base a este artigo, teve como objectivos fundamentais perceber se as crianças aprendem e retêm palavras novas ao ouvirem os pais ler uma história e se essa prática é particularmente vantajosa perto da hora de dormir. A investigação incluiu 237 crianças, entre os cinco e os sete anos. A língua materna era o inglês e nenhuma criança apresentava distúrbios visuais, auditivos, de linguagem, psiquiátricos ou do sono. Com base nos resultados de diversas experiências, os autores testaram as seguintes hipóteses:

    1. As crianças reconhecem e recordam mais palavras após o sono do que imediatamente depois da leitura da história pelos pais.
    2. As crianças demonstram níveis mais altos de retenção de palavras novas quando as aprendem imediatamente antes de dormir do que se o fizerem quatro horas antes.
    3. As crianças com um léxico menos extenso beneficiam mais da aprendizagem de novas palavras perto da hora de dormir do que as que têm um vocabulário mais alargado.

    As crianças foram divididas em dois grupos: o de «condição de atraso» e o de «condição imediata». Pediu-se aos pais das crianças do primeiro grupo que lessem uma história aos filhos três a cinco horas antes de os deitarem. Imediatamente após a leitura, os investigadores avaliaram as crianças através de um teste à distância, com o objectivo de aferir a capacidade de recordar, reconhecer e compreender as palavras às quais tinham sido expostas durante a leitura. Aos pais das crianças no segundo grupo pediu-se que lessem uma história aos filhos à hora de dormir. Após a leitura da história, estas crianças fizeram o mesmo teste que as do primeiro grupo. No dia seguinte, aproximadamente 60 minutos depois de acordarem, todas crianças realizaram um teste à distância, com o objectivo de avaliar a capacidade de recordar e reconhecer as palavras aprendidas no dia anterior e de analisar o conhecimento do significado de termos que não surgiam na história.

    Quais os resultados?

    A primeira hipótese foi confirmada. As crianças revelaram um aumento mais significativo na capacidade de reconhecer e recordar palavras no dia seguinte (ou seja, após o sono) do que imediatamente depois de terem ouvido os pais ler uma história. Segundo os autores, estes dados são consistentes com o modelo de sistemas complementares de aprendizagem desenvolvido por McClelland e outros autores, em 1995, e aplicado à aquisição de palavras por Davis e Gaskell, em 2009: a representação de uma palavra na memória fortalece-se ao longo do tempo, em particular durante o sono. Além disso, os resultados mostraram que o conhecimento prévio de vocabulário favoreceu o desempenho das crianças nas tarefas de reconhecimento e evocação. Como os autores referem, estes dados apoiam a ideia de que o conhecimento lexical está associado tanto à aprendizagem inicial de vocabulário como à sua retenção a longo prazo.

    Ao contrário do esperado, a experiência mostrou que as crianças que ouviram os pais ler uma história três a cinco horas antes de dormir memorizaram mais palavras do que aquelas que ouviram a história imediatamente antes de adormecer. Além disso, notou-se que as crianças com um léxico mais pobre não apresentam mais ganhos se ouvirem histórias imediatamente antes de dormir. As hipóteses 2 e 3 foram, portanto, rejeitadas. De acordo com os autores, este resultado é consistente com as conclusões de outros estudos. Ler histórias às crianças contribui sempre para a aprendizagem e consolidação de vocabulário, e fazê-lo depois da escola ou no final do dia pode gerar melhores resultados na alfabetização dos mais pequenos.

      Por decisão pessoal, os autores não escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico.

      Bibliografia

      Davis, M. H., & Gaskell, M. G. (2009). A complementary systems account of word learning: Neural and behavioural evidence. Philosophical Transactions of the Royal Society of London B: Biological Sciences, 364, 3773–3800. https://doi.org/10.1098/rstb.2009.0111

      Henderson, L. M., van Rijn, E., James, E., Walker, S., Knowland, V. C., & Gaskell, M. G. (2021). Timing storytime to maximize children’s ability to retain new vocabulary. Journal of Experimental Child Psychology, 210, 1-23. https://doi.org/10.1016/j.jecp.2021.105207

      Henderson, L., Weighall, A., & Gaskell, G. (2013). Learning new vocabulary during childhood: Effects of semantic training on lexical consolidation and integration. Journal of Experimental Child Psychology, 116(3), 572–59. https://doi.org/10.1016/j.jecp.2013.07.004

      James, E., Gaskell, M. G., Weighall, A. R., & Henderson, L. M. (2017). Consolidation of vocabulary during sleep: The rich get richer? Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 77, 1–13. https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2017.01.054

      McClelland, J. L., McNaughton, B. L., & O’Reilly, R. C. (1995). Why there are complementary learning systems in the hippocampus and neocortex: Insights from the successes and failures of connectionist models of learning and memory. Psychological Review, 102(3), 419–457. https://doi.org/10.1037/0033-295X.102.3.419

      Walker, S., Gaskell, M. G., Knowland, V. C. P., Fletcher, F. E., Cairney, S. A., & Henderson, L. M. (2020). Growing up with interfering neighbours: the influence of time of learning and vocabulary knowledge on written word learning in children. Royal Society Open Science, 7: 191597. http://dx.doi.org/10.1098/rsos.191597

      Wilkinson, K., & Houston-Price, C. (2013). Once upon a time, there was a pulchritudinous princess: The role of word definitions and multiple story contexts in children’s learning of difficult vocabulary. Applied Psycholinguistics, 34(3), 591–613. https://doi.org/10.1017/S0142716411000889

      AUTORES

      João Arménio Lamego Lopes dirige o programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

      Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

      Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

      Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

      Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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