pt en
Newsletter
glossario

saber mais

A investigação mostra que um número significativo de alunos apresenta ansiedade face à matemática, o que pode afectar tanto o seu desempenho escolar, como as suas trajectórias académicas e bem-estar emocional. É importante compreender este problema e identificar as melhores estratégias para o enfrentar. Num estudo recente, os autores concluíram que a estratégia mais eficaz poderá ser, afinal, o treino de conhecimentos matemáticos.

Todos reconhecemos a importância do conhecimento matemático para a aprendizagem escolar, mas também para o desenvolvimento científico e tecnológico, ou para a vida do dia-a-dia. Ainda assim, esta é uma das disciplinas que maior ansiedade gera nos alunos.  Para isso poderão contribuir as crenças negativas que lhe estão associadas, nomeadamente a de que é uma disciplina “difícil”. Frequentemente, este tipo de crenças está na origem do efeito psicológico de “profecia auto-realizada”. Resumidamente, quanto mais baixas as expectativas dos alunos face à própria capacidade para desempenhar uma tarefa (baixo sentido de auto-eficácia), maior é a probabilidade de desinvestirem dessa tarefa e de, consequentemente, experimentarem o insucesso e verem confirmadas as suas expectativas de fracasso[3,4,5]. Não surpreende, por isso, que muitos alunos desenvolvam ansiedade face à  matemática e procurem evitá-la, com o prejuízo que daí advém para as suas trajectórias escolares e profissionais futuras.

Genericamente, a ansiedade face à matemática define-se como “um sentimento de tensão ou ansiedade que interfere com a manipulação de números ou a resolução de problemas matemáticos em situações académicas ou quotidianas”[2]. A investigação mais recente aponta para um início precoce do problema (já no 1.º ciclo do Ensino Básico) e para uma incidência que não é exclusiva dos alunos com dificuldades. A título de exemplo, um estudo[6recente, com alunos do ensino básico e secundário, revelou que 77% dos participantes com ansiedade face à matemática apresentavam um desempenho académico médio ou elevado. Importa por isso perceber qual o papel dos factores cognitivos e emocionais na resolução deste problema.

Genericamente, a ansiedade face à matemática define-se como “um sentimento de tensão ou ansiedade que interfere com a manipulação de números ou a resolução de problemas matemáticos, em situações académicas ou quotidianas”.

Para tentar responder a esta questão, um grupo de investigadores[1] testou a eficácia de estratégias cognitivas e emocionais para a gestão da ansiedade em 224 alunos do 4.º ano de escolaridade. As crianças foram aleatoriamente distribuídas por três condições de estudo:

  1. uma primeira condição de intervenção, onde os alunos treinavam capacidades emocionais de identificação e gestão da ansiedade;
  2. uma segunda condição de intervenção, onde os alunos treinavam conhecimentos de matemática – mais concretamente, resolução de tarefas de cálculo e discussão de estratégias de aprendizagem de conhecimentos de aritmética; e
  3. uma condição de controlo, onde os alunos realizavam tarefas sobre banda desenhada (leitura e concepção).

Cada condição correspondeu a um programa de treino semanal, composto, no total, por oito sessões de 60 minutos cada. Os alunos foram avaliados em medidas de inteligência verbal, antes do início do treino, e ainda em medidas de ansiedade geral, ansiedade face à matemática e conhecimentos de matemática, no início e no final de cada programa de treino (figura 1).

Figura 1: Adaptada de Passolunghi, De Vita & Pellizzoni (2020)

Os resultados encontrados são duplamente esclarecedores.

1) Efeitos do tipo de treino na redução da ansiedade

Nenhum dos programas de treino produziu efeitos na diminuição dos níveis de ansiedade geral dos alunos. Para a redução da ansiedade (específica) face à matemática, o treino de controlo (tarefas de banda desenhada) também não produziu qualquer efeito. No entanto, quer o treino de gestão emocional, quer o treino de conhecimentos matemáticos reduziram significativamente a ansiedade face à disciplina (sem que os seus efeitos se diferenciassem entre si).

2) Efeitos do tipo de treino sobre a aprendizagem

O treino do grupo de controlo (tarefas de BD) e o treino de gestão da ansiedade não produziram qualquer efeito sobre a aquisição de conhecimentos. Por sua vez, o treino de conhecimentos matemáticos melhorou significativamente o desempenho dos alunos.

Conclusão: "saber é poder"

De acordo com este estudo, o treino de conhecimentos de matemática melhora o desempenho dos alunos e diminui a ansiedade face à disciplina; já o treino de gestão emocional apenas diminui a ansiedade na matemática, mas não melhora a aprendizagem. No jargão científico, isto significa que o treino de conhecimentos produz um duplo efeito de transferência: i.e., beneficia a capacidade treinada (conhecimentos) e beneficia capacidades distintas, mas afins (gestão da ansiedade face à disciplina).

Em termos práticos, o treino de conhecimentos mostrou-se tão eficaz quanto o treino de gestão emocional para a redução da ansiedade face à matemática, com benefícios acrescidos para o desempenho escolar dos alunos. Estes resultados têm implicações úteis para a concepção de programas de aprendizagem da matemática, que simultaneamente contribuam para um círculo virtuoso de aumento de conhecimentos e diminuição da ansiedade.

Referências

Referência principal

1 Passolunghi, M. C., De Vita, C., & Pellizzoni, S. (2020). Math anxiety and math achievement: The effects of emotional and math strategy training. Developmental Science, e12964. https://doi.org/10.1111/desc.12964

Outras Referências

2 Richardson, F. C., & Suinn, R. M. (1972). The mathematics anxiety rating scale: Psychometric data. Journal of Counseling Psychology, 19(6), 551–554. https://doi.org/10.1037/h0033456

3 Usher, E. L. (2009). Sources of middle school students’ self-efficacy in mathematics: A qualitative investigation. American Educational Research Journal46(1), 275-314. https://doi.org/10.3102/0002831208324517

4 Williams, T., & Williams, K. (2010). Self-efficacy and performance in mathematics: Reciprocal determinism in 33 nations. Journal of educational Psychology102(2), 453. https://doi.org/10.1037/a0017271

5 Bandura, A. (1997). Self-efficacy: The exercise of control. New York: Freeman.

6 Devine, A., Hill, F., Carey, E., & Szűcs, D. (2018). Cognitive and emotional math problems largely dissociate: Prevalence of developmental dyscalculia and mathematics anxiety. Journal of Educational Psychology, 110(3), 431. https://doi.org/10.1037/edu00 00222

AUTOR

Célia Oliveira é Doutorada em Psicologia Experimental e Ciências Cognitivas pela Universidade do Minho, com uma tese sobre o papel de processos atencionais na Capacidade Memória Operatória. Pela mesma universidade, licenciou-se em Psicologia com pré-especialização em Psicologia Escolar e da Educação, e completou um Mestrado em Psicologia Clínica.

Atualmente é docente na Universidade Lusófona do Porto, onde é responsável por unidades curriculares no domínio da Cognição (Psicologia da Memória e Psicologia da Atenção) e da Psicologia da Educação (Psicologia da Educação e Psicologia Escolar). É membro do HEI-Lab - Digital Human-Environment Interaction Lab, da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho. Os seus interesses e atividade de investigação contemplam os domínios da Aprendizagem, Atenção e Memória Humana.

Detém experiência continuada de prática clínica com crianças e adolescentes, e tem exercido atividades de consultoria científica em projetos de investigação, bem como consultoria técnica em contextos de atuação comunitária.

Receba as nossas novidades e alertas

Acompanhe todas as novidades.
Subscrever