Sabemos que a pandemia teve um impacto negativo considerável no aproveitamento académico dos jovens em idade escolar. Casos recentes, porém, mostram que a nossa preocupação se deve estender aos bebés e às crianças mais pequenas da era covid-19.
Por causa das restrições impostas pela covid-19, cerca de um terço dos alunos do ensino básico nos Estados Unidos irão precisar de apoio intensivo para conseguirem ler com êxito, segundo um estudo. Surgiram agora mais dois artigos a defender que muitas crianças nascidas durante a pandemia também estão em risco de insucesso escolar. Parece evidente que pais sobrecarregados não conseguiram envolver os bebés e as crianças mais pequenas no tipo de «diálogo» fundamental para o desenvolvimento da linguagem — e, a seu tempo, para a leitura.
Estas recentes investigações utilizaram uma tecnologia inovadora que permite aos investigadores determinar o nível de interação verbal sentido pelas crianças. Desenvolvido por uma organização americana sem fins lucrativos chamada LENA, o pedómetro da fala é um aparelho que se insere no bolso de um colete usado pela criança. O dispositivo grava as vocalizações da própria criança — não só palavras, mas quaisquer sons ou murmúrios que esta palreie — e o número de palavras ditas pelos adultos que se aproximem dela.
Além disso, o aparelho consegue calcular o número de «alternâncias de interlocutor» (episódios curtos de diálogo alternado) em que a criança participa. A investigação científica concluiu que o número de alternâncias de interlocutor influencia o desenvolvimento do cérebro e é um indicador crucial da maturidade que a criança terá para entrar na escola, do seu desenvolvimento socioemocional e de outras ocorrências do futuro. O desenvolvimento da linguagem impulsiona o vocabulário, e o vocabulário encoraja a capacidade de leitura, afirmou Jill Gilkerson, diretora-geral de investigação e desenvolvimento na LENA, num seminário virtual promovido pela organização.
Um dos estudos foi feito pela LENA, que analisou gravações de mais de 600 bebés até aos nove meses. Este estudo concluiu que os bebés nascidos durante a pandemia vocalizam menos e têm menos alternâncias no seus diálogos.
Paralelamente, outro estudo feito no Laboratório de Imagiologia Avançada do Bebé da Universidade de Brown teve resultados semelhantes. Este laboratório acompanha mais de 1700 famílias com crianças pequenas desde 2010. Um ano depois do início da pandemia, os investigadores concluíram que a média da capacidade cognitiva das crianças tinha atingido o valor mais baixo desde o começo do estudo. Outra análise independente revelou um declínio acentuado na comunicação verbal em 2021, ao que tudo indica porque os adultos deixaram de iniciar diálogos.
Os dados recolhidos não apresentam uma razão óbvia para o decréscimo nas vocalizações e nas alternâncias, mas o estudo da Brown concluiu que as circunstâncias relacionadas com a pandemia tinham «de longe o maior impacto no desenvolvimento neurológico de bebés e crianças em idade pré-escolar». A probabilidade de podermos atribuir a culpa ao stresse elevado dos cuidadores e ao isolamento social é alta. (Nenhum dos estudos se debruçou sobre a questão de as máscaras poderem interferir com o desenvolvimento linguístico, dado que ambos examinaram o ambiente doméstico e não o do jardim-escola ou da pré-primária.)
Durante o seminário, Sean Deoni, que dirigiu a investigação da Brown, disse que as conclusões são preocupantes. As crianças são resistentes, mas os seus primeiros mil dias de vida são cruciais no desenvolvimento futuro. E, quanto mais uma criança cresce, mais difícil se torna compensar os efeitos das falhas iniciais, afirmou.
Ainda assim, Deoni e Gilkerson realçaram que há muita coisa que os pais podem fazer para inverter esta tendência. Além de monitorizar o desenvolvimento verbal das crianças, a LENA dá aos pais estratégias que fomentam o diálogo. Um estudo paralelo concluiu que este programa fez aumentar em 8% as vocalizações de crianças pequenas e em 30% o número de alternâncias. No entanto, as crianças mais afetadas pertencem a famílias que são por norma difíceis de contactar e às quais falta tempo, instrução e outros recursos. Embora o decréscimo nas interações verbais tenha afetado todos os grupos socioeconómicos, ambos os estudos concluíram que o declive mais acentuado ocorreu nas crianças que se inserem nos últimos 25%. No estudo da LENA, e contabilizando o número de alternâncias, as crianças desse grupo desceram do percentil 45 para o 25.º. Para contrariar os efeitos da pandemia, essas crianças irão precisar de apoio da família, mas também da escola.
Os investigadores rejeitam de forma absoluta sobrecarregar as escolas, já «assoberbadas até ao limite», como afirmou Deoni no seminário. E a solução mais comum para combater a perda de conhecimento gerada pela covid-19 é a oferta de mais explicações. Há, ainda assim, mudanças que as escolas podem implementar nos programas e nos métodos de ensino que poderão aliviar a carga dos professores, depois de um período de adaptação, e reduzir a necessidade de oferecer aulas adicionais quando turmas inteiras beneficiarem de um tipo de ensino que pura e simplesmente funcione.
Para as crianças aprenderem de facto a escrever, precisam de seguir um programa que oferece, desde o jardim de infância e de um modo sistemático e cumulativo, conhecimento académico e vocabulário. Isto acontece ouvindo os professores ler livros em voz alta e conversando sobre o que ouviram. O diálogo é importante para o desenvolvimento inicial da linguagem, mas a escrita usa palavras e sintaxe sofisticadas que surgem pouco na oralidade. Se queremos preparar as crianças mais pequenas para os textos que irão encontrar nos anos seguintes, as suas alternâncias têm de começar a incluir léxico mais elevado.
É lamentável que a abordagem ao ensino da leitura se tenha focado em «competências e estratégias» de compreensão, tais como «identificar a ideia principal» ou «indicar as semelhanças e as diferenças» em textos simples sobre assuntos variados. O pressuposto que lhe serve de base é o de que as crianças precisam de adquirir essas competências, em vez de conhecimento real, durante o ensino básico, assumindo que mais tarde serão capazes de usar essas competências para inferir conhecimento da leitura.
No entanto, tal como a ciência cognitiva há muito tempo sabe, o conhecimento real é muito mais importante na compreensão do que as competências. Se os alunos não sabem nada sobre aquele assunto ou lhes falta, de modo geral, o vocabulário, por mais que pratiquem «a identificação da ideia principal» serão incapazes de entender textos difíceis.
Antes da pandemia, algumas escolas e agrupamentos dos Estados Unidos tinham começado a seguir um novo programa de literacia centrado no conhecimento. Existem hoje cerca de meia dúzia de programas curriculares desse género, cuja implementação depende de uma eficaz formação de professores que sigam o seu modelo. Mesmo durante os desafios do ensino remoto, alguns professores tiveram coragem de abraçar a mudança.
Por mais inegável que seja a sobrecarga sentida pelas escolas e professores durante a pandemia, seria absolutamente terrível que isso fosse argumento para justificar uma abordagem à aprendizagem da leitura que há muito tempo se revelou ineficaz. Sobretudo agora que sabemos a probabilidade de o impacto negativo da covid-19 nos afetar durante largos anos, não devemos atrasar a aplicação de matérias e de técnicas que podem beneficiar todos os alunos, incluindo os mais vulneráveis.
Esta publicação tem por base um artigo publicado pela Forbes.com.
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