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Introdução

Os pronomes assumem um papel muito importante na compreensão da leitura. Porquê? De acordo com a literatura, os pronomes constituem a classe de palavras categoremáticas sem significado extralinguístico, que substituem uma frase nominal ou um substantivo por formas abreviadas para clarificar, abreviar e dar sentido ao texto. Assim, o principal objectivo dos pronomes é, muito simplesmente, estabelecer conexões ou associações dentro das frases e entre elas.

Compreender a relação entre uma pessoa, animal ou objecto e o respectivo pronome constitui um processo denominado «resolução do pronome». Segundo Letchford e Rasinski (2021), os leitores deparam com este processo em diversas obras, como, por exemplo, no clássico Orgulho e Preconceito, escrito por Jane Austen no século XIX:

É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro em posse de fortuna necessita de uma esposa.

— Meu caro Mr. Bennet — disse-lhe um dia a esposa —, já sabe que Netherfield Park foi finalmente alugada?

Mr. Bennet respondeu que não sabia de nada.

— Mas a verdade é que foi — retorquiu ela. — Mrs. Long acabou de sair daqui e contou-me tudo.

Mr. Bennet não respondeu.

— Não quer saber quem é que a alugou? — perguntou a mulher, impaciente.

— A senhora está desejosa de mo dizer, e eu não tenho nenhuma objecção a ouvi-lo.

Isso bastou-lhe como convite. (Austen, 1992)

 

Este excerto demonstra, de forma muito simples, como a resolução do pronome constitui um aspecto da compreensão da leitura que leitores proficientes alcançam facilmente:

— Meu [Mr. Bennet] caro, Mr. Bennet — disse-lhe um dia a esposa [Mrs. Bennet] —, já sabe que Netherfield Park foi finalmente alugada? Mr. Bennet respondeu que não sabia de nada.

— Mas a verdade é que foi [Netherfield Park] — retorquiu ela [Mrs. Bennet].

— Mrs. Long acabou de sair daqui e contou-me [Mrs. Bennet] tudo [arrendamento da casa Netherfield Park].

Mr. Bennet não respondeu.

— Não quer saber [Mr. Bennet] quem é que a [Netherfield Park] alugou? — perguntou a mulher [Mrs. Bennet], impaciente.

— A senhora [Mrs. Bennet] está desejosa de mo dizer [Mr. Bennet], e eu não tenho nenhuma objecção a ouvi-lo [história do arrendamento da casa Netherfield Park].

Isso [história do arrendamento da casa Netherfield Park] bastou-lhe [Mrs. Bennet] como convite. (Austen, 1992)

 

De acordo com a literatura, para que a compreensão ocorra, o leitor tem de atender à substituição do referente pelo pronome, como, por exemplo, a substituição do referente «Mrs. Bennet» pelo pronome «ela» na frase «Mas a verdade é que foi — retorquiu ela». Para os leitores menos proficientes, com dificuldades de leitura ou que ainda não tiveram oportunidade de aprender a função dos pronomes e para as crianças que se encontram nos primeiros anos de escolaridade, lidar com este processo pode ser extremamente difícil. Podem, por exemplo, questionar quem está a comunicar com quem e o que está a acontecer na história. Por esta razão, é fundamental os professores fornecerem instruções explícitas acerca da relação entre o(s) referente(s) e o(s) respectivo(s) pronome(s) e, não menos importante, avaliarem a capacidade dos alunos para compreender a função dos pronomes.

 

Soluções e estratégias: o que podem os professores fazer para ensinar os alunos a compreender pronomes?

Os professores assumem, indubitavelmente, um papel fundamental no desenvolvimento da compreensão da leitura dos alunos. Embora tenham acesso a diversos métodos ou estratégias de ensino, como, por exemplo, desenvolver o conhecimento prévio dos alunos e modelar estratégias de compreensão, nem sempre têm a certeza de como ensinar o papel dos pronomes. Letchford e Rasinski (2021) apresentam, por esta razão, algumas estratégias a partir das quais os professores podem ensinar os alunos a estabelecer relações entre os nomes e os respectivos pronomes:

  • ponha-se na posição dos alunos mais vulneráveis ao analisar um texto complexo, como, por exemplo, o primeiro capítulo do livro Orgulho e Preconceito. Questione: «O que torna este texto complexo?» Os professores devem perceber que, para eles próprios compreenderem o texto, têm de se esforçar e de adoptar estratégias de compreensão. Segundo os investigadores, o objectivo desta tarefa é, muito simplesmente, desenvolver empatia por quem tem dificuldades de compreensão da leitura;
  • adopte estratégias como o «teatro do leitor». Quando os alunos vêem os professores dramatizar, representar um texto e estabelecer relações entre os nomes e os respectivos pronomes, criam experiências significativas, importantes para a compreensão da leitura;

Reflicta sobre as seguintes questões:

  1. Faz perguntas explícitas aos alunos menos proficientes acerca do significado dos pronomes presentes num texto? Porquê?
  2. A capacidade de compreensão da leitura varia (em alguns casos, significativamente) de aluno para aluno. Que estratégias seriam benéficas para todos os alunos?
  • demonstre aos alunos que o principal objectivo da linguagem oral, da leitura e da escrita é, muito simplesmente, extrair e construir significado. Irwin (1985) sugere as seguintes estratégias:

    • leia, em voz alta, um texto que inclua diversos pronomes e realize um exercício de pensamento em voz alta a partir do qual  demonstra como a resolução do pronome se processa. Exemplos de textos que incluem pronomes são os seguintes: a) Eu só só Eu, de Ana Saldanha; b) Escaravelho, de Álvaro Magalhães; e c) A Formiga e a Neve, de Adolfo Coelho. Estes textos estão disponíveis em formato áudio, aqui;
    • partilhe com os alunos as estratégias de compreensão que adoptou;
    • crie hipóteses durante a leitura, demonstrando o raciocínio de um leitor proficiente no desenvolvimento da coesão de um texto;
    • expresse dúvida(s) para demonstrar aos alunos o desafio da leitura;
    • permita que os alunos desenvolvam, avaliem, revejam e criem hipóteses sobre o texto.
  • segundo Irwin (1985), «os alunos aprendem o que lhes for ensinado» (p. 97). Por essa razão, modele, de forma explícita, o processo de resolução de pronomes

Ponha em prática

Considere o seguinte excerto do texto Think-A-Loud, escrito por Irwin em 1985 (p. 127):

O pai do John pediu-lhe para ir à loja de ferragens comprar uma caixa de pregos. No caminho, viu o seu amigo Sam. Ele estava a caminho de casa, depois do jogo de basebol da liga infantil. Ele gosta de trabalhos manuais. O John perguntou ao Sam se queria ir à loja com ele. Eles andaram pela loja, a conversar sobre ferramentas caras. Quando estavam a ir embora, John notou uma protuberância no casaco do Sam. O casaco estava apertado. O fecho de correr caiu. Saíram pregos, mesmo à frente do proprietário. Ele foi preso por roubo. O pai do John ficou muito zangado quando o chamaram.

  1. Seleccione um texto e leia-o, em voz alta, para os alunos.
  2. Pergunte-lhes: «O que significa esta palavra [e.g., ela, ele, isto, aquilo] nesta frase?» Repita a pergunta para cada pronome.
  3. Reescreva o texto, substituindo os pronomes pelos respectivos antecedentes.

 

Bibliografia

Irwin, J. W. (1985). Understanding and teaching cohesion comprehension. International Reading Association. 

Letchford, L., & Rasinski, T. (2021). Moving beyond decoding: Teaching pronoun resolution to develop reading comprehension. The Reading Teacher, 75(2), 233-240. https://doi.org/10.1002/trtr.2038

 

 

AUTORES

João Lopes

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João Arménio Lamego Lopes dirige o projeto AaZ – Ler Melhor, Saber Mais. Licenciado em Psicologia pela Universidade do Porto (1981), Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento (Universidade do Porto, 1991) e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho (1996). Professor da Escola de Psicologia da Universidade do Minho desde 1995.

Professor Associado com Agregação, da mesma Universidade (2004). Director do Departamento de Psicologia Aplicada (2015-2019) e do Mestrado em Temas de Psicologia da Educação da UM. Director do Programa de Doutoramento em Psicologia Aplicada para os países da CPLP. Presidente do Conselho Cientifico-Pedagógico da Formação Contínua de professores (2014-2018), representante de Portugal no CERI-OCDE (2015-2017) e membro do Conselho Geral do IAVE (2013-2018).

Soraia Araújo

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Soraia Araújo é doutoranda em Psicologia Aplicada, na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Licenciou-se em Psicologia, em 2018, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e concluiu o Mestrado em Psicologia Aplicada, em 2020, na Universidade do Minho.

Integra o Grupo de Investigação em Problemas de Aprendizagem e de Comportamento, do Centro de Investigação em Psicologia da Universidade do Minho, desde 2019, aquando da realização da sua dissertação de mestrado, intitulada “Formação Contínua de Professores: Necessidades, Participação e Barreiras”. No mesmo grupo de investigação, encontra-se a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre as dificuldades de aprendizagem inicial da leitura. Integra, ainda, o Programa AaZ – Ler Melhor, Saber Mais, onde colabora, essencialmente, na escrita de textos de apoio sobre o ensino da leitura, dirigidos a professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico.

Os seus interesses de investigação centram-se na área da Psicologia e da Educação. Especificamente, ensino da leitura e escrita, dificuldades de aprendizagem, perturbações do neurodesenvolvimento, métodos de ensino e formação de professores.

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