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Apresentar aos alunos diferentes tipos de problemas intercalados em vez de os agrupar por tópico beneficia a memorização de conceitos e a resolução de problemas mais difíceis em testes futuros. Um estudo recente demonstra estes resultados em contexto de sala de aula, com alunos universitários numa aula de Física.

A prática de recuperação alternada — testar conhecimentos sobre diferentes tópicos de modo intercalado — aumenta a memória e a capacidade de resolver problemas. É esta a conclusão de um estudo publicado na revista Nature em novembro de 2021. Conduzido por Joshua Samani e Steven Pan, dos departamentos de Física e Astronomia e de Psicologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, esta investigação reforça a ideia de que estudar tópicos de forma alternada melhora a aprendizagem.

Os autores testaram 286 alunos universitários numa disciplina de Física durante oito semanas, utilizando os materiais de estudo comuns. Depois de cada aula, era habitual os alunos receberem nove problemas para fazer em casa, agrupados por tópico, em bloco (A-A-A-B-B-B-C-C-C). Na investigação, durante as primeiras quatro semanas metade dos alunos continuou a receber os problemas em bloco, enquanto a outra metade passou a recebê-los de forma alternada (A-B-C-A-B-C-A-B-C). Nas seguintes quatro semanas, inverteu-se o exercício, para evitar prejudicar um grupo de alunos, caso a aprendizagem com problemas em bloco diferisse daquela com problemas alternados.

Para medir os efeitos da prática intercalada após cada período de quatro semanas, Samani e Pan entregaram testes-surpresa aos alunos, de modo a minimizar efeitos que pudessem contaminar os resultados. Estes testes incluíam três problemas mais difíceis do que os incluídos nos habituais trabalhos de casa. Dois deles requeriam a integração de conceitos e procedimentos de tópicos diferentes, e o terceiro implicava a aplicação de um dos tópicos estudados a um novo cenário.

Os resultados obtidos indicaram que o desempenho dos alunos nos trabalhos de casa piorou quando receberam os problemas intercalados. Os próprios alunos reconheciam a dificuldade acrescida quando resolviam os problemas intercalados, que após a conclusão classificavam como «mais difíceis». No mesmo sentido, os participantes também consideraram ter aprendido menos após resolverem problemas intercalados.

No entanto, nos testes-surpresa, os alunos que resolveram problemas intercalados tiveram um desempenho muito superior ao dos colegas que receberam problemas em bloco: a mediana dos resultados no primeiro teste foi 50% mais elevada para os problemas intercalados do que para os problemas em bloco; no segundo teste, esta melhoria foi de 125%.

Analisando os resultados nos dois tipos de problemas presentes no teste-surpresa, os investigadores verificaram que os alunos que resolveram exercícios intercalados revelaram ter memorizado mais eficazmente as fórmulas necessárias para resolver os problemas no teste e deram respostas 100% corretas mais frequentemente do que os alunos que receberam problemas em blocos.

É de referir que nos exames intermédios (a meio do semestre) da disciplina todos os alunos tiveram resultados semelhantes. Porém, questionários realizados após os exames indicaram que a maioria dos alunos fez um estudo prévio intenso; além disso, os testes-surpresa poderão ter funcionado como uma excelente oportunidade de aprendizagem, contribuindo para a homogeneidade dos resultados.

Em resumo, os alunos que receberam problemas de forma intercalada tiveram pior desempenho enquanto os resolviam, sentiram mais dificuldades e subestimaram a sua aprendizagem, ao contrário dos alunos que resolveram os problemas em bloco. Este padrão inverteu-se quando os alunos fizeram testes-surpresa: os que tinham resolvido problemas intercalados tiveram melhor desempenho e conseguiram aplicar os conhecimentos a novos cenários e integrar conceitos e procedimentos de diferentes tópicos.

Estes resultados podem ser explicados por diferentes teorias. Em primeiro lugar, segundo um estudo de 2021 liderado por Alice Latimier, a prática intercalada implica a prática espaçada que, como já vimos noutros artigos, aumenta a aprendizagem. Outra teoria, apresentada em 2012 por dois grupos de investigadores, assume que a prática intercalada leva os alunos a inferir as características abstratas dos vários tipos de problemas em vez de se focarem nas suas características superficiais. Deste modo, conseguem identificar as categorias de problemas no teste melhor do que os alunos que praticaram os problemas em bloco.

Outra possível explicação, apresentada por John Dunlosky e outros investigadores em 2013, prende-se com o facto de a prática intercalada proporcionar aos alunos a oportunidade de compararem os diferentes tipos de problemas. Isto permite-lhes compreender as semelhanças e relações entre eles, o que potencialmente aumenta a capacidade de integrar conceitos para resolver exercícios que requeiram a combinação de vários tipos de problemas. Por fim, segundo um trabalho de 2011 de Elizabeth e Robert Bjork, o facto de os problemas intercalados serem mais difíceis de resolver pode tornar-se uma «dificuldade desejável», que leva os alunos a formar mais conexões entre os materiais. Esta explicação esclarece também por que motivos os alunos tiveram piores resultados nos trabalhos de casa intercalados e sentiram que aprenderam menos.

É de referir que estas explicações para os benefícios da prática intercalada não são mutuamente exclusivas. Todas podem contribuir para os benefícios observados. De qualquer modo, a conclusão deste estudo é que uma pequena alteração na forma como os trabalhos de casa são apresentados aos alunos pode melhorar a aprendizagem, não só em termos de memorização mas também de resolução de problemas.

Bibliografia

Bjork, E. L., & Bjork, R. A. (2011). Making things hard on yourself, but in a good way: Creating desirable difficulties to enhance learning. Psychology and the real world: Essays illustrating fundamental contributions to society2(59-68).

Dunlosky, J., Rawson, K. A., Marsh, E. J., Nathan, M. J., & Willingham, D. T. (2013). Improving students’ learning with effective learning techniques: Promising directions from cognitive and educational psychology. Psychological Science in the Public Interest14(1), 4-58. https://doi.org/10.1177/1529100612453266

Kang, S. H., & Pashler, H. (2012). Learning painting styles: Spacing is advantageous when it promotes discriminative contrast. Applied Cognitive Psychology26(1), 97-103. https://doi.org/10.1016/j.jarmac.2014.05.006

Kornell, N., & Bjork, R. A. (2008). Learning concepts and categories: Is spacing the “enemy of induction”?. Psychological Science19(6), 585-592. https://doi.org/10.1111/j.1467-9280.2008.02127.x

Latimier, A., Peyre, H., & Ramus, F. (2021). A meta-analytic review of the benefit of spacing out retrieval practice episodes on retention. Educational Psychology Review33(3), 959-987. https://doi.org/10.1007/s10648-020-09572-8

Samani, J., & Pan, S. C. (2021). Interleaved practice enhances memory and problem-solving ability in undergraduate physics. NPJ Science of Learning6(1), 1-11. https://doi.org/10.1038/s41539-021-00110-x

AUTOR

Ludmila D. Nunes é a diretora de conhecimento científico na American Psychological Association (APA). Doutorada em Psicologia pela Universidade de Lisboa, desenvolveu a sua investigação na área de Memória Humana e Aprendizagem na Washington University in St. Louis, na Universidade de Purdue, e na Universidade de Lisboa. 

Além da investigação, deu aulas de Introdução à Psicologia Cognitiva e de Memória Humana na Universidade de Purdue e foi revisora para várias publicações científicas. Até recentemente, foi escritora científica para a Association for Psychological Science (APS)

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