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Durante o último ano, as crianças passaram mais tempo em casa com os seus pais. Esta convivência poderá ter sido uma oportunidade única para favorecer o sucesso e saúde futura destas crianças. Mas nem todas as famílias têm os conhecimentos, as expectativas e as ferramentas necessárias para ajudar os seus filhos. Será que podemos ajudá-las a investir mais e melhor no futuro da próxima geração?

Os três primeiros anos de vida de uma criança são decisivos para a sua vida futura. Isto é verdade do ponto de vista do seu desenvolvimento biológico e psicológico, mas também numa perspetiva económica.

Ao longo dos anos, sucessivos estudos têm mostrado que há diferenças entre capacidades cognitivas e comportamentais de indivíduos pertencentes a grupos socioeconómicos distintos, tanto em países desenvolvidos, como em países em vias de desenvolvimento. Essas diferenças estão na origem de desigualdades que persistem ao longo do percurso escolar das crianças, até à idade adulta, podendo ser detetadas nesses mesmos três primeiros anos.  Em concreto, desigualdades no rendimento familiar, na estabilidade do agregado e na educação das mães têm sido apontadas como causas prováveis de diferentes níveis de desempenho em leitura e matemática, bem como em certas medidas comportamentais, em avaliações feitas entre os 6 e os 12 anos.

Com vista a atenuar estes problemas, os governos de vários países têm tentado intervir através de subsídios e programas de ensino pré-escolar dedicados especialmente às crianças de famílias mais desfavorecidas. Mas, por maior impacto que possam ter estas medidas, há investimentos familiares que são fundamentais até aos três anos – aquilo que, em economia da educação, se chama investimento em capital humano – e que se traduzem essencialmente num maior envolvimento dos pais nestes anos iniciais. Na prática, isto significa mais tempo e disponibilidade dos pais, através de jogos didáticos, tempo de leitura e conversa com as crianças, ou uma atenção especial à nutrição. Um pequeno esforço que a investigação económica tem associado a enormes retornos futuros.

Mas será que os pais sabem que tais investimentos têm retornos importantes quando as crianças se tornam adultas? E o que acontece em famílias mais desfavorecidas, com menor escolaridade e poucos recursos mesmo para despesas familiares básicas?

Investir em educação

Ao ponderar os investimentos na educação dos seus filhos, os pais podem comparar o retorno expectável na vida adulta (os rendimentos futuros) com os custos da educação até esse mesmo momento (tais como mensalidades, propinas ou tempo de estudo). Mas isso presume que as famílias conhecem o retorno desse investimento em educação. E vários estudos têm mostrado o contrário.

Um desses estudos, feito já em 2010 pelo investigador norte-americano Robert Jensen,  concluiu que o simples facto de se apresentar informação sobre as taxas de retorno em educação muda o comportamento dos alunos. Numa primeira fase, foram analisados dados de um questionário a estudantes do oitavo ano de escolaridade, na República Dominicana, cujas respostas evidenciaram uma perceção desajustada da realidade: os retornos percebidos para o ensino secundário eram baixos, apesar dos salários comparativamente mais altos de indivíduos entre os 30 e os 40 anos com o mesmo nível de instrução. Após esta análise, foi selecionado um grupo de alunos que receberam informação sobre o retorno futuro provável de anos adicionais de escolaridade. Quatro anos após a experiência verificou-se que esses alunos viriam a concluir, em média, mais 0,2 anos de escolaridade que os seus pares que não receberam essa informação.

As expectativas dos pais em relação ao desenvolvimento das suas crianças também não são sempre iguais. A investigação científica na área da psicologia do desenvolvimento tem mostrado que quanto mais baixo é o nível socioeconómico dos pais, menores tendem a ser as suas expectativas sobre o desenvolvimento cognitivo das crianças. E a investigação económica tem corroborado esta hipótese, ao concluir que as expetativas e crenças dos pais sobre a chamada “função de produção de capital humano” – ou seja, sobre a sua própria capacidade de influenciar o percurso económico dos seus filhos – varia muito entre os grupos socioeconómicos.

Melhorar o envolvimento parental

Dito isto, como podemos ajudar os pais e as famílias a contribuir para o sucesso futuro das suas crianças? É sequer possível, no âmbito das políticas públicas? Dois estudos recentes mostram que sim, e que os efeitos podem ser bastante positivos, quer no desempenho escolar, quer no comportamento das crianças.

O primeiro destes estudos, de 2020, do economista Orazio Attanasio, de Yale, e seus coautores, considerou programas de visitas domiciliárias feitas por assistentes sociais ou educadores. O objetivo destas visitas é influenciar diretamente o envolvimento dos pais e o seu investimento na educação dos filhos. Num contexto de proximidade, oferece-se aconselhamento no sentido de melhorar a qualidade das interações com as crianças – ensinando-se os pais a ler com os seus filhos ou a conversar de forma específica, por exemplo. Alguns destes programas vão ainda mais longe, disponibilizando materiais didáticos ao mesmo tempo que fornecem informação sobre a importância dos investimentos parentais e o potencial retorno.

Este tipo de políticas é dispendioso para os governos e, por isso, é crucial perceber a sua eficácia. Attanasio e seus coautores avaliaram precisamente este tipo de intervenção baseando-se num programa oferecido na Colômbia. Neste programa existiam dois tratamentos: (1) estimulação parental com visitas domiciliares semanais e (2) uma componente de suplementos nutricionais.

O programa de estimulação adotou um currículo com o objetivo de promover o desenvolvimento da criança de forma integrada (linguagem, habilidades cognitivas, motoras e socio emocionais) e incentivar os cuidadores a ensinar atividades de rotina diária aos filhos. O currículo incluía livros ilustrados, imagens para estimular conversas, quebra-cabeças, cubos/blocos, e jogos de linguagem.

A amostra incluiu cerca de 1 500 crianças com idades entre os 12 e os 24 meses. O programa de estímulo dos pais teve impactos significativos em vários resultados: melhorou significativamente os resultados cognitivos das crianças (em 0,26 de um desvio padrão) e a sua compreensão da fala (em 0,22 de um desvio padrão). Por seu lado, a suplementação de micronutrientes não teve efeitos significativos e não houve interação entre as intervenções. Os impactos iniciais no desenvolvimento infantil foram, em grande medida, explicados por um aumento do investimento parental. Uma hipótese plausível para explicar tal aumento, causado por um programa que não forneceu aos pais quaisquer recursos, é esse programa ter mudado as crenças e atitudes dos pais no processo de desenvolvimento da criança.

Para perceber se foi esse o caso, Attanasio e dois outros economistas, o brasileiro radicado nos Estados Unidos Flávio Cunha e a economista chilena Pamela Jervis, num estudo publicado já em 2021, compararam as estimativas do processo de desenvolvimento cognitivo das crianças com as crenças dos pais acerca dos mesmos. Para estudar as expectativas do retorno de investimento em capital humano das mães, os autores apresentaram-lhes cenários alternativos sobre o efeito de diferentes condições no desenvolvimento das crianças. Por exemplo, as mães foram questionadas acerca de quando esperavam que um bebé hipotético (com 4 meses) começaria a gatinhar, andar e correr.

Neste estudo, Attanasio e seus coautores mostraram ainda que as famílias subestimam a importância de boas práticas parentais no desenvolvimento das crianças.

Resta perceber como se formam as expectativas dos pais acerca do retorno de investimento nos filhos. Uma possibilidade é que os pais usam pontos de referência nas suas comunidades, possibilitando um menor investimento nos seus filhos. Por exemplo, noutro estudo recente, de 2020, os economistas Josh Kinsler e Ronni Pavan estudam os investimentos na escolaridade das crianças e mostram que a segregação escolar, ou seja, famílias mais pobres terem os seus filhos numa escola em que apenas estão também filhos de famílias pobres, se traduz em níveis de investimento dos pais abaixo do ideal, especialmente para crianças que, à partida, estão menos preparadas.

Os resultados destes estudos são relevantes para as políticas educativas. Sugerem que campanhas educacionais para informar as famílias mais desfavorecidas podem produzir mudanças importantes no ambiente familiar e nos investimentos parentais relativamente às crianças, com um custo substancialmente inferior a outras alternativas, tais como a atribuição de subsídios ou visitas familiares.

Referências

Attanasio, Orazio, Flavio Cunha, and Pamela Jervis. 2021. “Subjective Parental Beliefs: Their Measurement and Role,” (also as NBER WP no. 26516 (July 2019)).

Attanasio, Orazio, Sarah Cattan, Emla Fitzsimons, Costas Meghir, and Marta Rubio-Codina. 2020. "Estimating the Production Function for Human Capital: Results from a Randomized Controlled Trial in Colombia." American Economic Review, 110 (1): 48-85.

Boneva, Teodora, and Christopher Rauh. 2018. “Parental Beliefs About Returns to Educational Investments—the Later the Better?” Journal of the European Economic Association 16 (6):1669–1711.

Carneiro, Pedro, and James J. Heckman. 2003. “Human Capital Policy.” Chap. 2 in Inequality in America: What Role for Human Capital Policies?, edited by James J. Heckman and A. Krueger, 77–240. Cambrige, MA: MIT Press.

Cunha, Flavio, Irma Elo, and Jennifer Culhane. 2021. “Maternal Subjective Expectations About the Technology of Skill Formation Predict Investments in Children One Year Later.” Journal of Econometrics.

Currie, Janet and "Early Test Scores, Socioeconomic Status, School Quality and Future Outcomes." Research in Labor Economics 20 (2001): 103-132.

Epstein, Ann S. 1979. Pregnant Teenagers’ Knowledge of Infant Development. High/Scope Educational Research Foundation, January.

Heckman, James J., Seong Hyeok Moon, Rodrigo Pinto, Peter A. Savelyev, and Adam Yavitz. 2010. “The Rate of Return to the Highscope Perry Preschool Program.” Journal of Public Economics 94, nos. 1–2 (January): 114–128.

Jensen, Robert. 2010. The (perceived) returns to education and the demand for schooling." The Quarterly Journal of Economics 125.2 (2010): 515-548.

Kinsler, Josh, and Ronni Pavan. 2020. “Local Distortions in Parental Beliefs Over Child Skill.” Journal of Political Economy 129, no. 1 (August): 81–100.

Wang, Fan, Esteban Puentes, Jere Behrman and Flavio Cunha. 2021. “You are What Your Parents Expect: Height and Local Reference Points”, HCEO Human Capital and Economic Opportunity Working Paper.

AUTOR

Rita Ginja é Professora Associada do Departamento de Economia da Universidade de Bergen e Doutorada em Economia pela University College London.

Os seus principais interesses de investigação incluem as áreas da economia do trabalho, do desenvolvimento e da saúde. Rita estudou os impactos de curto, médio e longo prazo dos investimentos iniciais nas crianças. Em particular, o impacto no desempenho académico, saúde e comportamentos da infância no início da idade adulta de programas pré-escolares voltados para crianças que vivem em famílias desfavorecidas, como o Head Start nos EUA e o Sure Start no Reino Unido; e o impacto de choques persistentes e transitórios nos investimentos dos pais nas crianças em termos de tempo e dinheiro.

Mais recentemente, Rita estudou o impacto dos benefícios da licença parental nos resultados dos filhos e na oferta de trabalho doméstico, bem como os impactos indiretos dessas políticas nas decisões de contratação e promoção de locais de trabalho. Tem também investigado várias políticas em países latino-americanos. Mais concretamente, as visitas domiciliárias a famílias pobres no Chile e os impactos na saúde e no mercado de trabalho da introdução do seguro saúde universal no México.

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