pt en
Newsletter
glossario

saber mais

Investigações recentes confirmam que é nas aulas online que os alunos mais se dispersam em multitasking, e isso reflete-se de forma negativa nos seus desempenhos académicos. Afinal, conseguir fazer mais do que uma coisa ao mesmo tempo sem perder a atenção em nenhuma delas é impossível. O multitasking é apenas um mito.

O envolvimento em múltiplas tarefas em simultâneo (conhecido na literatura científica por multitasking) afeta negativamente o desempenho académico, tanto de raparigas como de rapazes. Esta é a conclusão inequívoca de investigações muito recentes de Lepp e seus colaboradores (2019), e de Alghamdi e seus colaboradores (2020), que compararam o envolvimento em multitasking nas aulas online e nas aulas presenciais.

Desde há muito que é reconhecido que os jovens têm tendência a fazer várias tarefas ao mesmo tempo, e que a ciência procura examinar a natureza deste comportamento e os seus efeitos na aprendizagem. Muitos jovens enviam e leem mensagens e usam redes sociais enquanto estudam, fazem trabalhos escolares e/ou estão numa aula. As atividades em computador (mensagens instantâneas, jogos e pesquisa em websites) são as mais frequentes, enquanto ver televisão e outros media são as menos usuais (p. ex., Foehr, 2006). 

O problema é que, ao contrário de um mito muito propalado, chamado mito do multitasking, segundo o qual os jovens seriam capazes de fazer várias tarefas ao mesmo tempo sem com isso se prejudicarem, a realidade é que a aprendizagem sofre muito com as distrações. O efeito negativo do multitasking no desempenho académico tem vindo a ser revelado através de um vasto corpo de literatura científica (p. ex., Bellur et al., 2015). Décadas de investigação indicam que a qualidade dos resultados educativos e a profundidade do pensamento deterioram-se à medida que se dá atenção a mais tarefas em simultâneo. Ou, como resumiu Wallis em 2006, «há uma literatura substancial sobre como o cérebro lida com a execução de múltiplas tarefas. E, basicamente, não lida!» (p. 51).

Em 2013, Rosen, Carrier e Cheever já tinham mostrado quão facilmente estudantes do 3.º ciclo, do secundário e do ensino universitário se distraem quando estudam em casa, tendo a tecnologia digital ao seu alcance. Observações minuto a minuto, durante 15 minutos, revelaram que os estudantes tinham dificuldade em focar-se na tarefa principal (i.e., estudar), dedicando menos de 6 minutos em média ao estudo, até mudar para outra tarefa. Além de se levantarem e caminharem, a mudança para outra tarefa esteve, na maioria das vezes, associada a distrações tecnológicas, tais como o envio de mensagens de texto, o uso de redes sociais e televisão. 

Os observadores anotaram as tecnologias e as janelas abertas do Windows presentes antes e durante o período de observação. Para todos os grupos etários, a quantidade de tecnologia potencialmente distratora disponível no início da sessão do estudo foi preditora de um desempenho diminuído na tarefa principal. Além disso, ter a televisão ligada pelo menos uma vez durante a sessão afetou significativamente o tempo de estudo, e os participantes que acederam mais frequentemente ao Facebook corresponderam aos que relataram pior desempenho académico. 

Efeitos do multitasking na aprendizagem durante as aulas presenciais

Ter dispositivos eletrónicos no ambiente natural de estudo estende-se muitas vezes à sala de aula, interferindo com a aprendizagem dos conteúdos lecionados (p. ex., Ellis et al., 2010; Kinzie et al., 2005; Kuznekoff & Titsworth, 2013; Rosen et al., 2011). Ainda mais quando as salas de aula estão equipadas com acesso à internet e quando requerem que os estudantes usem dispositivos eletrónicos.

Os estudos empíricos sugerem que o multitasking durante atividades educativas (tal como ouvir uma aula e tirar apontamentos) afeta negativamente o desempenho dos alunos em vários aspetos, incluindo a compreensão, a retenção e a recordação de conteúdos (p. ex., Cutino & Nees, 2017). 

Hembrooke & Gay (2003) investigaram o efeito do uso de computador portátil (PC) em salas de aula no ensino superior (em contexto real, não simulado) e verificaram que o grupo de estudantes que usou o PC envolveu-se em tarefas irrelevantes – pesquisas de internet não relacionadas com a aula, envio de emails, chat, etc. – e teve pior desempenho num teste de reconhecimento e de recordação do que os que não o usaram. Mais recentemente, Sana e colaboradores (2013) verificaram, também em contexto real, que o uso de PC não prejudica apenas o desempenho do estudante que o está a usar. Quem esteve envolvido em multitasking e quem estava numa posição de visão direta para o PC teve pior compreensão dos conteúdos da aula. É o que Paul Kirschner ironicamente refere como «second hand smoke» ou ter de respirar o fumo dos outros.

As distrações são mais frequentes nas aulas online do que nas presenciais

Os efeitos negativos do multitasking são ainda mais acentuados nos cursos online do que nos presenciais, como o vieram mostrar os dois novos estudos agora publicados (Lepp et al., 2019, e Alghamdi et al., 2020).

Era já sabido que, em cursos de ensino misto (presencial e online), a tendência para realizar várias tarefas em simultâneo aumentava durante a componente online do curso (Manwaring et al., 2017). Mas não se sabia, até à data, se os cursos lecionados exclusivamente online eram mais propensos a comportamentos de multitasking do que os presenciais, e quais os preditores e mediadores destes comportamentos, quer para rapazes quer para raparigas.

Estes dois estudos realizados com estudantes universitários americanos responderam agora a estas questões. 

Lepp e colaboradores (2019) compararam os comportamentos de multitasking de 296 estudantes em aulas online e aulas presenciais, a partir das respostas a um questionário desenvolvido e validado para o efeito. Foram referidos significativamente mais comportamentos multitasking nas aulas online do que nas presenciais (ver gráficos em baixo). As análises de regressão revelaram que os preditores destes comportamentos foram diferentes em função do tipo de aula. Para as aulas online, contribuíram a adição/vício de recorrer à internet, a tendência geral para multitasking e a idade (estudantes mais jovens dispersaram-se mais em diferentes tarefas). Para as aulas presenciais, foram preditores o vício de recorrer à internet e a AAA (Autoeficácia para a Aprendizagem Autorregulada) – os estudantes com melhor autoeficácia são os menos propensos a comportamentos distratores. 

Efeito negativo de multitasking nas aulas online e nas aulas presenciais | Iniciativa Educação

Alghamdi e colaboradores (2020) investigaram os efeitos do multitasking no desempenho académico de 278 estudantes e analisaram como o género e a AAA poderiam mediar esta relação. Compararam aulas online e presenciais recorrendo a modelos de trajetórias (Path analysis). O efeito negativo do multitasking no desempenho académico revelou-se nos dois tipos de aulas. No entanto, apenas nas raparigas, nas aulas online, este comportamento esteve associado a uma baixa AAA, que, por sua vez, esteve associada a um baixo desempenho académico. Mas os comportamentos de multitasking mostraram-se influenciadores diretos de um pior desempenho académico independentemente do género. Nas aulas presenciais, os efeitos negativos, direto e indireto, do multitasking no desempenho académico (mediado pela AAA) foram independentes do género (ver imagem ao lado). Este último estudo vem sublinhar o papel da AAA no controlo e redução dos efeitos negativos dos comportamentos de multitasking no desempenho académico dos estudantes.

A necessidade da aprendizagem online é, nos dias de hoje, bem conhecida, contudo devemos ter presentes os seus potenciais custos. Na ausência da presença física do professor, que por si só limitaria os comportamentos de multitasking, é fundamental encontrar estratégias pedagógicas (e tecnológicas) que levem os estudantes a focar-se na tarefa principal, desencorajando dispersões prejudiciais.

Referências

Alghamdi, A., Karpinski, A. C., Lepp, A., & Barkley, J., «Online and face-to-face classroom multitasking and academic performance: Moderated mediation with self-efficacy for self-regulated learning and gender», Computers in Human Behavior, 102, 2020, pp. 214-222.

Bellur, S., Nowak, K. L., & Hull, K. S., «Make it our time: In class multitaskers have lower academic performance», Computers in Human Behavior, 53, 2015, pp. 63-70.

Cutino, C. M., & Nees, M. A., «Restricting mobile phone access during homework increases attainment of study goals», Mobile Media & Communication, 5(1), 2017, pp. 63-79.

Ellis, Y., Daniels, B., & Jauregui, A., «The effect of multitasking on the grade performance of business students», Research in Higher Education Journal, 8(1), 2010, pp. 1-10.

Foehr, U. G., Media multitasking among American youth: Prevalence, predictors and pairings, Menlo Park (Califórnia), The Henry J. Kaiser Family Foundation, 2006.

Hembrooke, H., & Gay, G., «The laptop and the lecture: The effects of multitasking in learning environments», Journal of computing in higher education, 15(1), 2003, pp. 46-64.

Kinzie, M.B., Whitaker, S. and Hofer, M., «Instructional uses of instant messaging (IM) during classroom lectures», Journal of Educational Technology & Society, 8(2), 2005, pp. 150-160.

Kuznekoff, J. H., & Titsworth, S., «The impact of mobile phone usage on student learning», Communication Education, 62, 2013, pp. 233-252.

Lepp, A., Barkley, J. E., Karpinski, A. C., & Singh, S., «College Students’ Multitasking Behavior in Online Versus Face-to-Face Courses», SAGE Open, 9(1), 2019, pp. 1-9.

Manwaring, K. C., Larsen, R., Graham, C. R., Henrie, C. R., & Halverson, L. R., «Investigating student engagement in blended learning settings using experience sampling and structural equation modeling», The Internet and Higher Education, 35, 2017, pp. 21-33.

Rosen, L. D., Carrier, L. M., & Cheever, N. A., «Facebook and texting made me do it: Media-induced task-switching while studying», Computers in Human Behavior, 29(3), 2013, pp. 948-958.

Rosen, L. D., Lim, A. F., Carrier, L. M., & Cheever, N. A., «An empirical examination of the educational impact of text message-induced task switching in the classroom: Educational implications and strategies to enhance learning», Educational Psychology, 17(2), 2011, pp. 163-177.

Sana, F., Weston, T., & Cepeda, N. J., «Laptop multitasking hinders classroom learning for both users and nearby peers», Computers & Education, 62, 2013, pp. 24-31.

Wallis, C., «genM: The multitasking generation», Time Magazine, 167(13), 2006, pp. 48-55.

AUTORES

Luís Querido é psicólogo, doutorado em Psicologia Cognitiva e licenciado (pré-Bolonha) pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL), especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, com especialidade avançada em Neuropsicologia, pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Psicólogo Clínico/Neuropsicólogo no Instituto de Psicologia das Relações Humanas, e no Serviço à Comunidade da FPUL nas Unidades de Intervenção de Neuropsicologia Clínica Cognitiva (NCC) das Dificuldades Específicas da Aprendizagem e NCC, do Envelhecimento e das Demências, e em clínica privada, desde 2000.

Colaborou e colabora em vários projetos de investigação, entre eles:

  • Estudo Psicolinguístico Longitudinal no âmbito do Plano Nacional de Leitura intitulado «Estabelecimento de níveis de referência do desenvolvimento da leitura e da escrita do 1.º ao 6.º ano de escolaridade», investigador responsável pela secção de estudo «Escrita e Conhecimento Ortográfico», de 2008 a 2010;
  • «Influência da consciência morfológica e do vocabulário nas habilidades de leitura e de escrita em estudantes universitários». FPUL (2016-presente).
  • Estudos de adaptação e validação do Coin in Hand - Extended Version, versão revista do Coin in Hand Test (Kapur, 1994), numa amostra portuguesa. Instituições intervenientes: FPUL, Universidade de Granada, Universidade de Harvard (2017-presente).

 Os seus trabalhos de investigação inserem-se no âmbito da Psicologia Cognitiva da Leitura, da Escrita e da Matemática.

Sandra Fernandes é Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa (FPUL), onde tem vindo a lecionar, desde 2001, unidades curriculares no âmbito das Ciências Cognitivas, entre elas, Perceção, Atenção e Memória, Perturbações Específicas do desenvolvimento Cognitivo e Intervenções Psicoeducacionais. Psicóloga Clínica e da Saúde, com especialidade avançada em Neuropsicologia, pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.

Doutorada em Psicologia Cognitiva pela FPUL, com tese intitulada «Aprendizagem da Leitura no Português Europeu: Relações entre Fluência na Leitura Oral, Vocabulário e Compreensão em Leitura». Coordenadora responsável pelas Unidades de Intervenção de Neuropsicologia Clínica Cognitiva (NCC) das Dificuldades Específicas da Aprendizagem e NCC do Envelhecimento e das Demências do Serviço à Comunidade da FPUL. Editora da Revista Iberoamericana de Diagnóstico y Evaluación - e Avaliação Psicológica.
 
Os seus interesses de investigação centram-se nos Processos Cognitivos envolvidos no desenvolvimento da Leitura (e compreensão em leitura) e da Escrita.

Receba as nossas novidades e alertas

Acompanhe todas as novidades.
Subscrever