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A propagação da pandemia de covid-19 constitui um desafio sem precedentes. Além de ter apanhado desprevenidos todos os sistemas de saúde do mundo, está a gerar consequências dramáticas na sociedade, na economia e nos sistemas de ensino. Ainda é demasiado cedo para avaliar a extensão do impacto da covid-19 no agravamento geral das desigualdades e das condições de vida de grande parte da população mundial. Contudo, alguns dados pré-covid ajudam-nos a definir expectativas.

A propagação da pandemia de covid-19 constitui um desafio sem precedentes. Além de ter apanhado desprevenidos todos os sistemas de saúde do mundo, está a gerar consequências dramáticas na sociedade, na economia e nos sistemas de ensino. Ainda é demasiado cedo para avaliar a extensão do impacto da covid-19 no agravamento geral das desigualdades e das condições de vida de grande parte da população mundial. Contudo, alguns dados pré-covid ajudam-nos a definir expectativas.

No que diz respeito ao sistema educativo, é provável que o encerramento forçado das escolas e o recurso ao ensino online, muitas vezes sem formação adequada, tenham contribuído para a deterioração da forma física e da saúde mental dos alunos, bem como para relevantes perdas de conhecimentos e competências (as denominadas perdas de aprendizagem). Conforme seria de prever, estas perdas de aprendizagem afetaram mais significativamente os alunos desfavorecidos, precisamente aqueles para os quais a educação era, e continua a ser, um instrumento crucial para a sua integração e mobilidade social.

Um inquérito recente da McKinsey & Company (novembro de 2020), dirigido a professores de oito países, revelou que as perdas de aprendizagem foram globais e substanciais e que «as escolas em que mais de 80% dos alunos pertencem a agregados familiares abaixo do limiar de pobreza relataram perdas de aprendizagem na ordem dos 2,5 meses, contrastando com perdas de1,6 meses nas escolas em que mais de 80% dos alunos  pertencem a famílias acima do limiar de pobreza». Deste modo, o momento é particularmente oportuno para se identificarem ferramentas e políticas que ajudem os sistemas de ensino a colmatar o fosso entre alunos provenientes de diferentes classes sociais.

Nos últimos anos, emergiu uma auspiciosa corrente de investigação que se foca na resiliência académica, ou seja, na capacidade de os alunos superarem as expectativas. Os dados indicam que, entre a comunidade escolar, são os alunos resilientes que alcançam bons resultados académicos, independentemente das suas desvantagens socioeconómicas.

O conceito de resiliência assume, nesta corrente de investigação, um duplo valor. Por um lado, permite estudar os fatores no aluno e no sistema escolar que ajudam a reduzir as disparidades educativas geradas pelas diferenças na origem social. Por outro, funciona como uma medida que atesta a qualidade de um sistema de ensino, quer em desempenho (a capacidade de transmitir um elevado grau de conhecimentos e competências aos alunos), como de equidade (a efetiva redução das discrepâncias nos resultados académicos entre alunos da mesma turma, escola, região ou país).

Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 2018 define como resilientes os alunos que se encontram entre os 25% mais desfavorecidos do seu país em termos socioeconómicos e que, ainda assim, alcançam o nível 3, ou superior, da escala de proficiência do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (em inglês, PISA) nos seus três principais domínios: leitura, matemática e ciências.

Aplicando esta definição aos dados da última edição do PISA, de 2018, numa análise aos 27 países da União Europeia, constata-se que os três países com melhores níveis de desempenho escolar, a Estónia, a Finlândia e a Irlanda, são também aqueles em que o grupo de alunos desfavorecidos e que podem ser considerados resilientes representa mais de 30% do universo escolar (Figura 1).

A Figura 2 mostra a variação na proporção de alunos resilientes por país, tendo em conta o efeito do contexto socioeconómico no sucesso escolar. Como se pode observar, os países com percentagens elevadas de alunos resilientes são também aqueles em que o contexto socioeconómico (segundo o indicador ESCS — estatuto económico, social e cultural do PISA) tem um menor impacto no desempenho académico dos alunos.

Mas quais são os fatores que promovem a resiliência académica? É possível encontrar uma relação evidente entre as características das escolas e a probabilidade de os seus alunos serem resilientes? Ou seja, existirão fatores educativos que podem tornar-se catalisadores da resiliência académica?

O grande volume de dados recolhidos pelo PISA permite-nos explorar estas possíveis relações. Além disso, alguns estudos baseados nas últimas edições do PISA mostram que é possível responder afirmativamente a estas perguntas. Uma investigação de 2021, de Tommaso Agasisti e outros três autores, analisou a resiliência académica em 18 países da OCDE. Entre as principais conclusões está o facto de as políticas e práticas escolares poderem influenciar as probabilidades de sucesso escolar dos alunos desfavorecidos, o que significa que a resiliência é determinada tanto pelo contexto socioeconómico dos alunos como pelas escolas que frequentam.

A relação entre a «resiliência dos alunos» e o «ambiente disciplinar da escola» (indicador do PISA) foi a mais expressiva entre as observadas. Nas escolas em que este indicador difere por uma unidade, a probabilidade de resiliência difere por um fator de 3 (Figura 3). Verificou-se também um aumento muito significativo na probabilidade de resiliência entre os alunos desfavorecidos que não faltaram às aulas nas duas semanas anteriores ao teste do PISA.

Os diretores das escolas e os professores devem prestar especial atenção à forte influência do ambiente disciplinar e do absentismo na resiliência dos alunos, e considerar estes fatores como reguladores das probabilidades individuais de sucesso escolar. Uma iniciativa possível seria incluir nos currículos escolares tópicos relacionados com o autocontrolo, o autoconhecimento, o respeito e o trabalho colaborativo, possivelmente no âmbito mais alargado das competências cívicas, que têm vindo a ser integradas nos currículos regulares em vários países. Uma outra medida, de âmbito complementar, seria dar regularmente conta do progresso comportamental dos alunos às famílias e aos próprios estudantes.

Observou-se ainda uma relação relevante entre a probabilidade de as escolas promoverem a resiliência dos alunos e o tempo de instrução, que depende dos recursos escolares. O tempo de instrução nas áreas da leitura, matemática e ciências em particular apareceu positivamente relacionado com a probabilidade de os alunos se tornarem resilientes. O mesmo acontece com as atividades extracurriculares oferecidas pelas escolas. Por sua vez, o número de computadores por aluno, indicador comummente utilizado para medir a disponibilidade de equipamentos e recursos não-humanos nas escolas, não revelou qualquer relação com a resiliência académica.

O caminho a seguir deverá sustentar-se em políticas objetivas, especificamente na afetação de recursos financeiros, estruturais e humanos à expansão da oferta educativa para os alunos desfavorecidos. É provável que as competências académicas destes alunos beneficiem direta ou indiretamente de mais horas de instrução nas disciplinas base, bem como da participação em atividades extracurriculares (aulas de música, clubes de xadrez, clubes de leitura, grupos de teatro, etc.). Os governos poderiam conceder financiamento específico para estas atividades, e as escolas teriam autonomia para propor iniciativas que suprissem as necessidades de cada uma. Os diretores das escolas poderiam estabelecer protocolos com parceiros locais (fundações, associações e clubes) para alargar a quantidade e a variedade de experiências oferecidas aos alunos desfavorecidos, que raramente têm acesso a tais oportunidades fora do contexto académico.

De modo geral, a mensagem a retirar destes estudos é encorajadora. Com o apoio certo, os alunos desfavorecidos podem ter um bom desempenho académico, e as escolas podem assumir um papel fundamental na mitigação do risco de subaproveitamento destes alunos. Isto significa que, embora a resiliência seja uma característica individual, as políticas educativas e as práticas escolares podem reduzir significativamente a vulnerabilidade dos alunos desfavorecidos e, como resultado, promover a resiliência académica.

Bibliografia

Agasisti, T., Avvisati, F., Borgonovi, F., & Longobardi, S. (2021). What school factors are associated with the success of socio-economically disadvantaged students? An empirical investigation using PISA data. Social Indicators Research, 1-33. https://link.springer.com/article/10.1007/s11205-021-02668-w

OCDE (2018). Equity in Education: Breaking Down Barriers to Social Mobility. PISA, OECD Publishing. https://www.oecd.org/education/equity-in-education-9789264073234-en.htm

AUTORES

Sergio Longobardi é Professor Associado do Departamento de Gestão e Estudos Quantitativos da Universidade de Nápoles “Parthenope”. Participou em vários projetos científicos e foi consultor da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), do Instituto Nacional Italiano de Avaliação do Sistema de Educação e Formação (INVALSI) e do COGIS (Comissão para a Garantia da Qualidade da informação Estatística). A sua investigação concentra-se na economia da educação, equidade dos sistemas educacionais, mobilidade dos alunos, avaliação de políticas e qualidade de dados estatisticos. Publicou artigos sobre economia da educação em várias revistas científicas e em editoras internacionais. Desde 2006, leciona regularmente em cursos universitários e de doutoramento.

Tommaso Agasisti é professor catedrático da Escola de Gestão do Politecnico de Milão. Faz investigação em Economia do Sector Público, Finanças e Gestão, e principalmente em Economia e Gestão de sistemas educativos. A sua pesquisa pode ser agrupada em quatro áreas principais: (i) métodos estatísticos e econométricos para avaliar o desempenho e a eficiência das organizações públicas - especialmente universidades, escolas e governos, (ii) modelos de governança para instituições e sistemas educativos, (iii) finanças do sector público; e (iv) inovações digitais no sector público.

Tem um doutoramento em Economia de Gestão e Engenharia Industrial (Politecnico de Milão) e um Mestrado em Economia (Universidade de Bolonha). É o Editor Associado da Revista Cientifica «Higher Education Quarterly» e membro do conselho editorial do «Educational Researcher», «Tertiary Education and Management» e do «International Journal of Educational Management».

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