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Os efeitos dos estilos parentais sempre foram um tópico de investigação de grande interesse dado o papel dos pais no desenvolvimento dos filhos. Recentemente, estudos que recorrem ao registo da atividade elétrica do cérebro reforçaram dados anteriores sobre o efeito negativo da parentalidade autoritária na capacidade cognitiva dos filhos, trazendo pistas sobre o mecanismo neurobiológico desse impacto.

Em psicologia, a educação parental é considerada autoritária quando são exibidos comportamentos excessivamente controladores, tais como represálias duras e diálogos ameaçadores, frequentemente à base do grito e de punições. Os pais autoritários tendem a ser restritivos, permitindo pouca participação dos filhos nas decisões, sem que dediquem muito tempo à explicação das regras estabelecidas.

Vários estudos mostram que filhos de pais autoritários são mais propensos a apresentar níveis superiores de agressividade, depressão, ansiedade, rebeldia, delinquência e dependência.

Num trabalho publicado em 2021, Jiahe Zhang e outros três investigadores da Shanghai Normal University juntaram mais uma peça ao puzzle dos efeitos negativos da parentalidade autoritária. Apresentaram dados sobre as diferenças de oscilação da atividade elétrica do cérebro, medida através de eletroencefalografia (EEG), uma técnica de monitorização que recorre a elétrodos colados ao couro cabeludo.

Com o objetivo de analisar o efeito da parentalidade sobre as funções executivas, um conjunto de capacidades cognitivas que envolvem o sistema de atenção e de memória, apresentou-se uma tarefa em que os participantes tinham de julgar a direção de movimento (esquerda ou direita) de cinco peixes. Estas imagens apareciam num ecrã em situações congruentes (os cinco para a mesma direção) e incongruentes (o peixe do centro tinha uma direção contrária aos restantes quatro), enquanto os participantes estavam ligados ao EEG. Fizeram parte do estudo 40 crianças de origem chinesa, entre os 8 e 11 anos. Além disso, um dos pais de cada criança respondeu a um questionário de autorrelato sobre as práticas parentais.

Com os fatores da idade e do estatuto socioeconómico controlados num modelo de regressão, verificou-se uma influência do estilo de parentalidade sobre as funções executivas das crianças, o que pode ser observado tanto nos domínios comportamentais e cognitivos como nas dimensões neurobiológicas analisadas. O córtex cingulado anterior é uma das principais áreas cerebrais envolvidas no domínio do stress e nos processos de controlo inibitório, e o referido estudo mostrou que um baixo sinal de atividade nesta zona significava um pior funcionamento executivo.

Quanto maior for o ambiente de repressão vivido pela criança, menor é o sucesso em tarefas que exigem um controlo na inibição de uma resposta. Uma descoberta interessante é que dentro das dimensões da parentalidade autoritária a punição corporal e a hostilidade verbal destacam-se como preditores neste modelo de análise. A punição corporal apresenta maior probabilidade de gerar um efeito adverso no controlo executivo das crianças, e a hostilidade verbal está mais fortemente ligada ao desenvolvimento do cérebro. Assume-se que este efeito está relacionado com um problema de desenvolvimento dos sistemas de resposta ao stress, causado pela exposição prolongada da criança a uma resposta parental marcadamente negativa.

O papel das relações de apego (nas quais se estabelecem laços de vinculação segura) tem sido referido como particularmente importante quando as crianças lidam com situações desafiantes do ponto de vista cognitivo. Um clima de forte expressividade hostil ou punitiva por parte dos pais produz uma elevada excitação emocional na criança, o que pode dificultar a capacidade de atenção ou a mudança de foco conforme necessário, refletindo-se, consequentemente, na capacidade de autorregulação comportamental.

Bibliografia

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Zhang, J., Yan, Z., Nan, W., & Cai, D. (2021). Authoritarian Parenting Effect on Children’s Executive Control and Individual Alpha Peak Frequency. Mind, Brain, and Education. https://doi.org/10.1111/mbe.12295

AUTOR

Joana Rato é psicóloga da Educação desde 2003 e doutorada em Ciências da Saúde (na especialidade de Neuropsicologia) pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa (UCP) desde 2014. Actualmente trabalha no Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS) da UCP e desenvolve o projecto Mente, Cérebro e Educação com a colaboração de professores de várias escolas. Em 2013, através do Alumni Award da James S. McDonnell Foundation, participou na 3rd Latin-American School for Educational, Cognitive and Neural Sciences e, em 2015, recebeu o Prémio de Mérito da Fundação D. Pedro IV. Os seus interesses de investigação passam pela Neuropsicologia aplicada à Educação com destaque para a avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes. É co-autora do livro “Quando o cérebro do seu filho vai à escola”.

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