O cérebro humano molda-se para responder às experiências do dia-a-dia. Um processo espontâneo que leva a que estejamos sempre a aprender ao longo da vida.
Quer queiramos, quer não, o nosso cérebro aprende todos os dias. Da mesma forma que o nosso coração não para, o cérebro também nunca interrompe a sua atividade. É nesta atividade espontânea e contínua que o cérebro em desenvolvimento é moldado pelas interações entre as influências dos genes e da experiência. As mudanças que ocorrem no cérebro surgem a nível das conexões entre os neurónios, e isto é conseguido através da capacidade de reorganização deste órgão, que não está necessariamente restrita à primeira infância e é tipicamente mantida pelo indivíduo durante toda a vida. Daí o nosso cérebro ser notoriamente flexível ou «plástico».
A esta capacidade que o cérebro tem de se adaptar e moldar como resposta à experiência chama-se plasticidade cerebral, ou neuroplasticidade.
Trata-se de um processo complexo que é intensificado durante determinados períodos de desenvolvimento cerebral, antes e após o nascimento, e que continua, embora em menor grau, ao longo da vida do indivíduo.
O neurocientista polaco Jerzy Konorski foi o primeiro a utilizar o termo neuroplasticidade em 1948. Desde então muito se estudou neste âmbito científico, mas foi nas décadas de 1970 e 1980 que se destacaram as experiências com animais que permitiram perceber que os circuitos neuronais e as sinapses se modificavam de acordo com a atividade praticada. O reconhecimento generalizado da neuroplasticidade (como um termo mais abrangente) surgiu na «década do cérebro» (1990-2000), e foi nesta altura que uma equipa liderada pelo neurocientista americano Michael Merzenich identificou o período crítico infantil (durante o qual não receber o estímulo apropriado pode tornar mais difícil, ou mesmo impossível, desenvolver mais tarde algumas funções na vida) e o período da plasticidade do adulto (quando se refinam os processos neurais com o domínio de tarefas).
Ao olhar para a plasticidade como qualquer mudança na atividade neuronal e nas respostas comportamentais, os neurocientistas identificaram dois tipos de plasticidade: a estrutural (anatómica/morfológica), em que a força das conexões entre os neurónios se altera podendo aumentar o tamanho de uma região cerebral, como, por exemplo, o hipocampo; e a funcional (fisiológica), que descreve as mudanças permanentes nas sinapses devido ao desenvolvimento e à aprendizagem do indivíduo (dependentes do processo de construção das memórias). Ambos estão ligados, na medida em que as mudanças estruturais que ocorrem no cérebro produzem múltiplas mudanças na ativação cerebral funcional.
Apesar de a estrutura básica do cérebro ser estabelecida pelos genes ainda antes do nascimento, é amplamente partilhado pelos neurocientistas que o funcionamento cerebral existe em contexto. Isto é, que o seu desenvolvimento envolve uma espécie de vaivém da informação, fazendo com que as experiências contribuam significativamente para a construção da arquitetura do cérebro.
O desenvolvimento das áreas cerebrais segue trajetórias individuais, pelo que a maturação não ocorre nos mesmos sistemas ao mesmo tempo. Assim, a maleabilidade do cérebro em desenvolvimento pode levar a diferentes resultados, dependendo das necessidades e ambientes dos indivíduos.
Ainda dentro da barriga da mãe, o cérebro do bebé passa primeiro pela plasticidade designada por «independente da experiência», em que as mudanças ocorrem sem peso significativo do ambiente. As mudanças passam a ser «expectantes da experiência» quando são desencadeadas somente por sinais ambientais específicos que o cérebro espera receber. Por exemplo, o córtex visual não é totalmente funcional até os bebés abrirem os olhos pela primeira vez, e as crianças não aprendem a língua até ouvirem a fala. Posteriormente, a plasticidade cerebral fica dependente da experiência, e os caminhos neuronais são fortalecidos através de um sistema de repetição, tornando-se mais eficientes ao longo do tempo. Em oposição às formas previsíveis de maturação cerebral que ocorrem na maioria dos indivíduos, as mudanças dependentes de experiência são únicas para cada um, refletindo a enorme variedade de ambientes sociais e culturais e as próprias atividades nas quais os indivíduos participam.
A sensibilidade do cérebro à aprendizagem parece aumentar em três grandes ondas.
A primeira janela de oportunidade surge para as regiões corticais dedicadas à visão e outros sentidos, em que a onda de sensibilidade abre e fecha durante o período da infância. Para as áreas motora, da linguagem e cognitiva, as ondas abrem um pouco mais tarde e nunca fecham completamente. O que está descrito na literatura científica é que primeiro amadurecem as regiões corticais relacionadas com as funções primárias (como sistemas sensoriais e motores) e, de seguida, são as áreas de associações de ordem superior, como o córtex pré-frontal, que se vai desenvolvendo e que tem um papel chave no controlo das ações e condutas sociais. Estas mudanças volumétricas (i.e., volume do cérebro) têm sido associadas ao aumento do número de conexões entre áreas do cérebro (sinapses) e à eliminação de conexões subutilizadas (conforme se pode ver na figura abaixo).
Quando uma tarefa é realizada com grande frequência, através de comportamentos ou estímulos repetidos, a região do mapa cortical dedicada a essa função altera-se. Especificamente, a região pode aumentar de volume ou ter maior atividade funcional à medida que o indivíduo ganha familiaridade implícita com a capacidade (como tocar um instrumento musical, praticar regularmente um desporto ou memorizar um conjunto de ruas da cidade*), para, de seguida, ir ao encontro da linha de base assim que a aprendizagem se torna explícita. A aprendizagem implícita é a aquisição passiva de conhecimento por meio da exposição à informação, enquanto a aprendizagem explícita é a aquisição ativa de conhecimento adquirido pela busca consciente de informações. Porém, à medida que se continua a desenvolver a capacidade com a prática repetida, a região em questão retém o aumento inicial.
Ainda que compreender os processos de aprendizagem implique uma abordagem multidisciplinar, sabemos que quando aprendemos algo novo, criamos novas conexões, construindo continuamente padrões prévios de interações neuronais. Qualquer atividade mental (cognitiva, emocional e comportamental) ativa uma grande cascata de conexões entre neurónios que permite ir reestruturando o cérebro para nos adaptarmos a novas circunstâncias. Isso acontece diariamente, daí que para o cérebro, aprender é mesmo inevitável.
Referências
McLaughlin, K.A., Mackey, A., Bunge, S.A., Fernandes, G.F., Brown, K., Bühler, J.C. (2018). «Human Brain Plasticity: Future Research Directions and Implications for Children’s Learning and Development», Jacobs Foundation.
"Michael Merzenich: Growing evidence of brain plasticity". TED. TED Conferences LLC.
*Alguns exemplos de estudos realizados
HABIBI, A., CAHN, B. R., DAMASIO, A., e DAMASIO, H., «Neural correlates of accelerated auditory processing in children engaged in music training», Developmental Cognitive Neuroscience, 21, 2016, pp. 1-14.
ROBERTS, R. E., BAIN, P. G., DAY, B. L., e HUSAIN, M., «Individual Differences in Expert Motor Coordination Associated with White Matter Microstructure in the Cerebellum», Cerebral Cortex, 23(10), 2012, pp. 2282-2292.
MAGUIRE, E. A., GADIAN, D. G., JOHNSRUDE, I. S., GOOD, C. D., ASHBURNER, J., FRACKOWIAK, R. S. J., e FRITH, C. D., «Navigation-related structural change in the hippocampi of taxi drivers», Proceedings of the National Academy of Sciences, 97(8), 2000, pp. 4398-4403.
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