A Iniciativa Educação desafiou um conjunto de especialistas de diferentes áreas de estudo a destacar algumas sugestões práticas para pais e professores – sempre com o apoio das conclusões da investigação científica mais recente das suas respetivas áreas.
Os efeitos negativos da pandemia nos sistemas de ensino são relativamente consensuais. Estudos recentes e relatórios de organismos internacionais apontam para perdas de aprendizagem sem precedentes, que trarão grandes desafios ao desenvolvimento dos alunos de hoje e das economias de amanhã.
Neste período em que se prepara e inicia o regresso ao ensino presencial, será ainda mais necessário dar atenção à qualidade do sistema educativo. Mas que medidas têm os sistemas de ensino ao seu dispor para contrariar estes efeitos? Como se pode ajudar os alunos a recuperar aquilo que não aprenderam?
A Iniciativa Educação desafiou um conjunto de especialistas de diferentes áreas de estudo a destacar algumas sugestões práticas para pais e professores – sempre com o apoio das conclusões da investigação científica mais recente das suas respetivas áreas.
1. Não abandone as tecnologias
Ludmila Nunes
Investigadora em psicologia cognitiva e escritora científica para a Association for Psychological Science
Algumas das mudanças causadas pela pandemia poderão ter chegado para ficar. Uma delas é a utilização mais frequente de tecnologia na educação, que reforça uma tendência que já se vinha a evidenciar nos últimos anos.
O encerramento das escolas obrigou alunos e professores a transformar as suas atividades, utilizando tecnologias que nunca haviam experimentado. No regresso ao ensino presencial, é importante que se continuem a utilizar algumas das tecnologias disponíveis, não só para evitar uma nova disrupção, caso haja uma nova necessidade de encerrar as escolas, mas também para garantir que o retorno à escola não causa uma alteração total dos processos a que os alunos se foram habituando.
Mas o mais importante é que estas tecnologias podem, em várias circunstâncias, facilitar a aprendizagem activa, que melhora o desempenho escolar. E podem fazê-lo de uma maneira que é, muitas vezes, difícil de implementar nas salas de aula. Especificamente, usar tecnologias que fazem com que os alunos colaborem entre si e pensem sobre o seu processo de aprendizagem tornou-se mais comum durante a pandemia e poderá continuar a ser utilizado nas salas de aula ou nos trabalhos de casa. Por exemplo, o uso de chats ou documentos em que vários alunos podem colaborar para assimilar conhecimentos pode proporcionar uma aprendizagem ativa, que se refletirá em melhor aproveitamento escolar.
Uma maior utilização da internet e de tecnologias disponíveis pode manter-se com a reabertura das escolas, de modo a ajudar os educadores a implementar estratégias de aprendizagem que proporcionam bons resultados tanto em aulas presenciais como em aulas online. Destacam-se aqui estratégias tais como: testar os conhecimentos dos alunos para facilitar a sua aprendizagem e não apenas para os avaliar, dar-lhes feedback sempre que possível, ou intercalar matérias e tipos de exercícios.
2. Avalie os seus alunos e perceba em que nível estão
Patrícia Costa
Doutorada na área de Estatística / Psicometria, investigadora na área de Estatística da Educação no Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica (CEMAPRE)
Um estudo muito recente com alunos holandeses analisou o impacto do encerramento das escolas primárias por um período de 8 semanas. Os resultados indicaram que os alunos perderam cerca dois terços do seu progresso da aprendizagem (conhecimento), sendo os alunos de meios menos favorecidos os que registaram maiores perdas.
Apesar de ainda não termos dados para Portugal, o questionário internacional mais recente pré-pandemia (TIMSS), realizado a alunos do 4.º ano, apontava já para grandes lacunas entre os alunos de meios sociais e culturais mais favorecidos (em que pelo menos um dos pais possui o ensino superior) e os alunos de meios menos favorecidos. Os primeiros apresentaram resultados a Matemática superiores, em 54 pontos, aos segundos – o que, em avaliações internacionais, equivale a mais de um ano letivo de diferença.
Já em 2016 se verificava que existia uma grande diferença nos resultados em Leitura (38 pontos), no PIRLS, entre os alunos portugueses favorecidos e desfavorecidos.
Estes resultados evidenciam a necessidade e utilidade de usar a avaliação dos alunos com vista à implementação de estratégias de ensino e aprendizagem direcionadas a ajudá-los na recuperação da sua aprendizagem, o que é particularmente importante para os alunos de meios menos favorecidos.
Hugo Reis
Economista, investigador no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal e membro da Unidade de Investigação em Economia e Gestão (CUBE) da Católica Lisbon School of Business and Economics
No contexto atual, pós-confinamento, o debate sobre a educação centra-se, naturalmente, nos planos de recuperação que atenuem os efeitos de uma escola à distância durante vários meses. No entanto, para uma recuperação mais eficaz, é preciso desde logo diagnosticar o impacto que o ensino a distância teve nos alunos.
Os professores não só enfrentarão alunos mais desiguais como será maior a incerteza acerca do seu nível de conhecimentos. Os mecanismos de diagnóstico ganham especial importância no panorama atual, devendo ser o mais comparáveis possível entre turmas e escolas, informando rapidamente os professores acerca dos diferentes ritmos na sala de aula. Estes testes podem fazer a diferença se levarem a uma adaptação do ensino, como se observou em estudos sobre as consequências dos testes de diagnóstico nos Estados Unidos.
Um bom diagnóstico é a melhor forma de criar os alicerces fundamentais para recuperar os alunos para os quais o ensino a distância teve impactos mais negativos, garantindo ao mesmo tempo a evolução daqueles que conseguiram manter um maior contacto com a escola. É ainda a única garantia de afetar os recursos e investimento adicionais de acordo com as necessidades reais.
Luís Querido e Sandra Fernandes
Luís Querido
Psicólogo Clínico e da Saúde/Neuropsicólogo no Instituto de Psicologia das Relações Humanas e no Serviço à Comunidade, Faculdade de Psicologia, Universidade de Lisboa
Sandra Fernandes
Professora Auxiliar na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa
As eventuais perdas associadas à interrupção do ensino presencial serão mais acentuadas em domínios que envolvem capacidades de memorização e procedimentais, tais como a matemática e a escrita, do que em domínios que requerem compreensão conceptual, como a compreensão em leitura. Os pais têm à sua disposição mais recursos e atividades de leitura do que de resolução de problemas matemáticos ou prática da escrita.
Na retoma do ensino presencial, é fundamental que os professores avaliem os conteúdos lecionados durante o ensino remoto, incidindo naqueles mais sujeitos a perda, cuja monitorização presencial é indispensável, sabendo-se que nestes o papel dos pais dificilmente substitui o da escola. A eventual revisão de conteúdos deverá firmar-se em avaliação diagnóstica.
João Lopes
Professor de Psicologia na Universidade do Minho e coordenador do Programa AaZ - Ler Melhor, Saber Mais da Iniciativa Educação
Para os professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico:
O tempo e qualidade do ensino têm sido sofrido particularmente com o ensino não presencial. É particularmente difícil para os professores, à distância, perceberem em que ponto se encontram os alunos, por referência ao currículo. É por isso importante que, na medida do possível, seja realizada uma testagem rápida dos conhecimentos dos alunos, em conteúdos essenciais, no momento do regresso às aulas. Esta testagem permitirá adequar o ensino ao ponto em que o grupo-turma, em média, se encontra.
No caso da matemática, poderá utilizar-se uma prova pequena, com uma duração não superior a 15 minutos. Uma prova deste tipo pode ser realizada, simultaneamente, por todos os alunos, permitindo perceber, de forma muito aproximada, o tipo de limitações de cada aluno, bem como o nível médio de conhecimentos da turma.
No caso do português, seria interessante realizar uma prova de leitura rápida, com duração não superior a um minuto, preferencialmente com gravação. O inconveniente desta prova, é implicar uma aplicação individual. No caso de alunos do 2.º, 3.º e 4.º anos, é necessário ter em conta a velocidade, a precisão e a expressividade da leitura (isto é, a fluência). Existem normas nacionais e internacionais para a velocidade de leitura, que são muito úteis para aferir o desempenho individual e de grupo.
A testagem de conhecimentos levanta alguns problemas de execução, nomeadamente no que diz respeito à leitura. É, contudo, possível, por exemplo, avaliar um grupo mais pequeno de alunos, selecionando dois ou três que se sabe terem mais dificuldades, outros tantos que se sabe serem medianos, e outros ainda que se sabe que leem bem. Perde-se a dimensão individual, mas salvaguarda-se o conhecimento do nível médio do grupo.
Tal como no que diz respeito à COVID-19, é da maior importância testar os conhecimentos dos alunos para perceber o ponto em que se encontram, rastrear as dificuldades e reiniciar o ensino presencial tendo em conta o ponto onde os alunos se encontram e não apenas o ponto onde deveriam estar, do ponto de vista do currículo.
3. Ensine os seus alunos a aprender melhor, com estratégias eficazes
Joana Rato
Neuropsicóloga e investigadora na Universidade Católica Portuguesa
No regresso às aulas presenciais, há que pensar também em empoderar os alunos (principalmente os que mostram maturidade para serem mais autónomos) sobre como usar estratégias de aprendizagem eficazes. Várias pesquisas indicam que os alunos não usam as melhores estratégias para aprender, pelo que partindo da premissa que os alunos têm de desenvolver conhecimento sobre uma estratégia e como usá-la, torna-se necessário que o professor trabalhe também com seus alunos quanto à aplicação, planeamento e compromisso sobre estas estratégias.
O atual panorama de pandemia obriga cada vez mais os alunos a assumirem um papel proativo na gestão do seu estudo e implementar uma metodologia de treino efetivo para o bom uso de estratégias, como a que foi recentemente testada com alunos universitários, contribuirá para que se ajustem mais facilmente às frequentes alterações nas modalidades de ensino (presencial ou à distância).
4. Invista nos conteúdos de aprendizagens fundamentais
Harry A. Patrinos
Economista, responsável do Banco Mundial para a área da educação na Europa e Ásia Central
Atualmente, vários países estão a dar renovada atenção aos seus currículos de forma a identificarem e a destacarem os conteúdos de aprendizagem fundamentais e a definirem, de forma clara, aquilo que os alunos têm de saber. Ou seja, estão a colocar a ênfase nos padrões de aprendizagem e na melhoria do aproveitamento escolar, o que é de extrema importância, tendo em conta os baixos padrões de aprendizagem pré-pandemia e as perdas já ocorridas a nível mundial desde o encerramento das escolas.
5. Considere programas de tutorias e de escolas de verão
Pedro Freitas
Economista, membro do NOVA SBE Economics of Education Knowledge Center
Os programas de tutoria têm sido apresentados como uma das soluções com maior potencial para a recuperação da aprendizagem no pós-pandemia.
Este tipo de programas, com uma duração entre 12 e 20 semanas, com sessões entre 15 e 60 minutos, de uma a cinco vezes por semana, têm mostrado ganhos, medidos em tempos de aprendizagem, entre 3 e 15 meses. Os impactos são maiores quando as sessões são mais frequentes e para os alunos nos primeiros anos de ensino e para alunos com maiores dificuldades, e maiores em leitura nos anos de ensino iniciais, e em matemática nos anos mais avançados.
Embora o potencial máximo da tutoria surja quando esta é individual, há versões mais exequíveis e menos dispendiosas, com grupos pequenos, tal como sugerida por alguns autores, incluindo Simon Burgess para aplicação no Reino Unido. A literatura científica mostra que, em grupos até seis alunos, a eficácia é apenas um pouco mais baixa do que da tutoria individual.
Joana Pais
Economista, professora no ISEG e coordenadora do XLAB – Behavioural Research Lab
Portugal tem dos mais longos períodos de férias escolares no verão. São 12 semanas, o dobro de países como a Alemanha ou o Reino Unido. Por que razão não aproveitamos algumas destas semanas de interrupção letiva para recuperar a aprendizagem perdida?
Estudos científicos mostram que as escolas de verão são, em contexto não pandémico, um instrumento eficaz para combater os efeitos negativos da pausa de verão na aprendizagem. No atual cenário, escolas de verão que integrem a componente letiva com atividades desportivas ou artísticas, dirigidas sobretudo aos alunos mais penalizados, em particular de meios socioeconómicos mais desfavorecidos, podem ser uma peça fundamental da recuperação das perdas cognitivas dos mais jovens.
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