pt en
Newsletter
glossario

saber mais

Está em debate uma proposta da comunidade francesa da Bélgica para que as escolhas pedagógicas tenham como base a abordagem por competências, a pedagogia da descoberta e a diferenciação pedagógica. Com base na investigação recente, Clermont Gauthier, Steve Bissonnette e Marie Bocquillon criticam essas propostas, mas lembram que a ação do professor deve manter uma orientação estável e variar as atividades de aprendizagem em função da matéria e dos alunos e não porque existe a ideia de que é preciso variar.

Dupont e Bouchat (2020) analisaram os efeitos de três orientações pedagógicas no desempenho de alunos oriundos de meios desfavorecidos, nomeadamente a abordagem por competência, a pedagogia da descoberta e a diferenciação pedagógica. Estas três orientações pedagógicas assemelham-se às abordagens recomendadas pelas reformas socioconstrutivistas, encetadas há cerca de trinta anos em vários países. No entanto, e após terem apresentado vários trabalhos de investigação onde demonstram a fraca eficiência dessas três abordagens pedagógicas, os mesmos investigadores concluem e defendem, de forma paradoxal, uma abordagem variada e a utilização de diferentes tipos de pedagogias. Este apelo para «variar as pedagogias» é uma situação corrente na área da educação, onde geralmente se prefere adotar esta fórmula socialmente aceitável junto dos diferentes intervenientes, ao invés de confirmar a maior eficácia de certas abordagens pedagógicas. Em vez de nos ajudar a obter uma melhor compreensão e a agir de forma mais pertinente, esta questão deixa-nos verdadeiramente confusos devido à sua ambiguidade e, por conseguinte, não constitui uma linha de ação frutífera, na medida em que não se sabe o motivo pelo qual se deve variar nem o que variar.

Para não prolongar esta confusão, sintetizamos um quadro de análise com critérios precisos que poderão guiar os docentes ao optarem por variar as suas atividades de ensino. 

Ainda que a ação educativa seja complexa e multifacetada, esta deve ser igualmente alvo de estabilidade. Esta generalidade, que em certa medida escapa ao contingente, é precisamente o que uma base de conhecimentos de ensino (knowledge base for teaching) pode identificar e analisar. Mais especificamente, a questão fundamental de uma base de conhecimentos é a de saber se é possível, através de várias observações e experiências controladas, recomendar determinadas estratégias de ensino. Em suma, uma base de conhecimentos de ensino será uma forma de ajudar o docente a estabelecer ordem numa situação complexa e incerta na sua sala de aula.

Mostrámos (Gauthier et al., 1997) que se dispõe já de uma base de conhecimentos baseada em investigação que permite atuar de uma forma mais eficaz na gestão da aprendizagem e na gestão da sala de aula. Dispomos, de igual forma, do conteúdo de uma abordagem de ensino que faz parte dessa base de conhecimentos, o ensino explícito (Gauthier, Bissonnette e Richard, 2013; Bissonnette, Gauthier e Castonguay, 2016). De forma sucinta, trata-se de uma abordagem pedagógica estruturada e sistemática que inclui, nomeadamente, três grandes etapas: a modelação, a prática guiada e a prática autónoma. É através do ensino explícito e em função desses dois elementos de ensino (a gestão da aprendizagem e do comportamento) que analisamos o conceito de «variar o método de ensino». 

Em relação à gestão da aprendizagem, são quatro os critérios que determinam a escolha das atividades que o docente propõe aos seus alunos:

  1. o nível dos alunos; 
  2. o grau de novidade e de complexidade da tarefa proposta;
  3. o tempo disponível;
  4. os conceitos fundamentais do currículo. 

Quando o docente se dirige a alunos cujos níveis são baixos em relação aos objetos de aprendizagem, quando vários alunos sentem dificuldades, quando a tarefa que lhes é proposta é nova ou complexa, quando o tempo disponível é limitado e quando se trata do ensino de um conceito fundamental, deverá, então, utilizar-se a metodologia do ensino explícito. Estes critérios, os quais estão relacionados especificamente com a gestão da aprendizagem, permitirão ao docente escolher as atividades mais pertinentes para os seus alunos em função do grau de orientação que este prevê ser necessário. 

Em sentido inverso, quando o docente se dirige a alunos cujos níveis são elevados, quando a tarefa proposta é conhecida ou simples e quando o tempo disponível é suficiente, é possível utilizar, neste contexto, as abordagens pela descoberta, nas quais o nível de orientação necessário é mínimo. Os conceitos secundários podem, essencialmente, ser ensinados através de uma abordagem pela descoberta, mas apenas se o nível dos alunos for elevado, se a tarefa for simples/conhecida e se o tempo disponível for suficiente.  

É sem dúvida aqui que reside o ponto crucial: não se trata de variar as atividades e as abordagens pedagógicas de forma arbitrária, mas sim de as variar se a necessidade de orientação o exigir e de acordo com os quatro critérios mencionados. Importa ao docente ajustar o nível de orientação das atividades de aprendizagem que propõe aos alunos de acordo com estes elementos, e não por uma ideia preconcebida de que «é necessário variar as abordagens pedagógicas».

Não se trata de variar as atividades e as abordagens pedagógicas de forma arbitrária, mas sim de as variar se a necessidade de orientação o exigir.

Além disso, em relação à gestão da sua sala de aula, a tarefa do docente consiste em controlar o fluxo de atividades, ou seja, manter uma determinada ordem funcional sobre a qual, no contexto de um trabalho coletivo como o é o de uma sala de aula, a aprendizagem possa ter êxito. Neste caso, o primeiro aspeto que o docente deve considerar é o de prever os desvios de comportamento dos alunos antes que eles ocorram, de forma a manter o vetor de atuação que o mesmo instituiu anteriormente na sua sala de aula. Na gestão da sala de aula, o desafio do docente não é o de forçar a todo o custo a variação das atividades, mas sim o de instaurar e manter a estabilidade no seu funcionamento, de forma a permitir que o vetor de atuação do docente produza ao máximo os seus efeitos. 

Assim, variar as atividades de aprendizagem não é um princípio que tenha valor por si só. Quando estão reunidas as oportunidades de aprendizagem e quando os alunos estão empenhados no seu trabalho, a situação torna-se estável e não existe necessidade de alterar aquilo que já funciona bem. Em contrapartida, caso o docente perceba que é necessária a alteração do nível de orientação em relação à gestão da aprendizagem, poderá analisar as atividades propostas de acordo com os quatro critérios mencionados. Na gestão da sala de aula, é através de uma análise do motivo que impede o vetor de atuação de se desenvolver que o docente pode efetuar as respetivas correções. O docente irá variar as atividades de aprendizagem caso note sinais no comportamento dos alunos que indiquem que o nível de orientação não é o adequado ou ainda caso não consiga manter o vetor de atividade proposto.

Não ter estes elementos em consideração e a não variação do seu método de ensino podem contribuir para que uma sala de aula tenha um funcionamento desorganizado ou que nessa sala de aula não se chegue a instruir, mas apenas a confundir.

Referências

Bissonnette, S., Gauthier, C., Castonguay, M., «L'enseignement explicite des comportements. Pour une gestion efficace des élèves en classe et dans l'école», Chenelière Éducation, Montréal, 2016.

Dupont, S., Bouchat, P., «Lorsque la psychologie cognitive s’intéresse au Décret Missions: Constats et recommandations», Les cahiers de recherche du Girsef, 118, fevereiro, 2020.

Gauthier, C., Bissonnette, S., Richard, M., Castonguay, M., «Enseignement explicite et réussite des élèves. La gestion des apprentissages», Montréal, ERPI, 2013.

Gauthier, C., Martineau, S., Malo, A., Desbiens, J.-F., Simard, D., «Pour une théorie de la pédagogie. Recherches contemporaines sur le savoir des enseignants», Québec, Presses de l’Université Laval et Éditions De Boeck, Belgique, 1997.

AUTORES

Clermont Gauthier é professor associado da Faculdade de Educação da Universidade Laval, na cidade de Québec e membro da Royal Society do Canadá. Os seus trabalhos de investigação têm como foco a história do ensino, modelos de ensino, instrução explícita e formação de professores. Publicou, sozinho ou em colaboração, mais de quarenta livros, vários dos quais foram traduzidos para português.

Marie Bocquillon trabalha no Instituto de Administração Escolar da Universidade de Mons, Bélgica, na formação de futuros professores do ensino secundário e de estudantes do Mestrado em Ciências da Educação. Doutorada em Ciências Psicológicas e Ciências da Educação, investiga a formação inicial de professores, em particular, as atitudes profissionais dos professores em relação à literatura sobre ensino eficaz. Também trabalha na formação de professores em eficiência de ensino. Desenvolve o site www.enseignementexplicite.be da Universidade de Mons sobre ensino eficaz e instrução explícita.

Steve Bissonnette é professor do Departamento de Educação da Universidade TÉLUQ, no Québec, Canadá. A sua área de especialização é a intervenção escolar. Trabalha há mais de 25 anos com estudantes excecionais e interessa-se pelas áreas de ensino, eficácia escolar e  gestão eficaz do comportamento.

Receba as nossas novidades e alertas

Acompanhe todas as novidades.
Subscrever