O encerramento das escolas e a consequente interrupção de aulas presenciais em 2020 e 2021 terá efeitos negativos na vida dos alunos. Estudos recentes sugerem que este impacto se poderá fazer sentir até nas gerações futuras – ou seja, nos filhos dos alunos de hoje. Em que é que se traduzirão estes efeitos, na prática? O que podem esperar as gerações futuras?
No âmbito de um estudo recentemente publicado no Journal of Public Economics, um grupo de investigadores entrevistou cerca de 1 500 alunos de licenciatura inscritos numa das maiores universidades públicas dos Estados Unidos, a Arizona State University, no final de abril de 2020. Os resultados destas entrevistas sugerem efeitos negativos imediatos em muitas dimensões, devido à interrupção de aulas presenciais causada pela pandemia de COVID-19. Mais concretamente, 13% dos alunos atrasaram a conclusão da licenciatura, 40% perderam um emprego, estágio ou uma oferta de emprego e 29% disseram esperar ganhar menos aos 35 anos (Aucejo e co-autores, 2020).
Também em Portugal, praticamente todos os alunos matriculados no ensino básico e secundário foram alvo de interrupções nas aulas presenciais, desde março de 2020, pela mesma razão. Será que podemos prever quais os impactos para estas crianças e para as suas famílias?
Nos últimos anos, assistimos à publicação de um número relativamente elevado de estudos sobre os impactos causados por dias de aulas perdidos. Normalmente, os estudos nesta área focam-se nos efeitos de interrupções causadas por férias de verão, pelo encerramento não programado de escolas e pelo absentismo.
No caso das férias, a investigação tem mostrado um pequeno abrandamento temporário do desempenho escolar devido à interrupção durante os meses de verão, com quedas mais acentuadas para matemática do que para leitura (Quinn & Polikoff, 2017).
Estudos quantitativos recentes sugerem que os efeitos do encerramento de escolas devido à pandemia se sentirão muito para além da geração atual.
A literatura sobre o encerramento de escolas por motivos inesperados, tais como eventos climáticos extremos ou desastres naturais, pode fornecer algumas lições mais concretas sobre o potencial efeito do fecho de escolas devido à COVID-19. Estes encerramentos são de menor duração quando comparados com a atual crise, mas são igualmente inesperados e interferem com a instrução programada. Os efeitos de tais eventos para países desenvolvidos mostram que os impactos são inexistentes ou negativos para o desempenho escolar da população em geral (Hansen, 2011, Goodman, 2014). Contudo, para os alunos em escolas de áreas mais pobres, os efeitos são negativos.
Finalmente, outra linha de investigação tem procurado quantificar o impacto do absentismo escolar; um fenómeno que é mais evidente nos alunos pertencentes a minorias ou a famílias de rendimentos mais baixos, que têm maior tendência, estatisticamente, não só a faltar a aulas, mas também a fazê-lo sistematicamente. Aucejo e Romano (2016) mostram que a redução de faltas escolares em dez dias levam a um aumento de 5,5% nos resultados de matemática e de 2,9% nos de leitura.
As famílias e as gerações futuras
Estes artigos científicos mostram impactos negativos no desempenho escolar nos alunos; mas quais são os efeitos de longo prazo? E nos pais? Os resultados de dois outros artigos recentes sugerem que as interrupções atuais podem ter efeitos persistentes nas crianças.
Em dois artigos recentes, Jaume e Willen recorreram a dados de greves de professores na Argentina (2019, 2021). Entre 1983 e 2014, houve aproximadamente 1 500 greves de professores no país, com variação substancial ao longo do tempo e entre províncias. Os autores analisaram a relação entre a exposição a greves na escola primária e a educação, mercado de trabalho e resultados sociodemográficos na idade adulta (entre os 30 e 40 anos). Além disso, estudaram impactos entre gerações, isto é, nos filhos dos indivíduos afetados diretamente pelas greves, e também nos pais.[1] Em média, 88 dias de escola primária foram perdidos devido a greves para os indivíduos analisados; isto é equivalente a meio ano de escolaridade. Portanto, foram interrupções mais longas que nos estudos descritos acima.
Os efeitos adversos são claros. Ser exposto à incidência média de greves de professores (i.e., cerca de 90 dias) durante a escola primária reduz os salários quando os indivíduos atingem a idade adulta (entre os 30 e os 40 anos), em 3,2% e 1,9% para homens e mulheres, respetivamente. A exposição a greves nos anos iniciais tem efeitos maiores do que a exposição em anos posteriores. Os efeitos vão além dos salários. Alunos mais expostos têm maior probabilidade de estar desempregados e de ter ocupações profissionais menos qualificadas. Os efeitos são muito semelhantes em homens e mulheres. Os impactos no mercado de trabalho são impulsionados, pelo menos em parte, por uma redução na escolaridade, já que estar exposto a 10 dias de greves aumenta a probabilidade de não ter obtido um diploma de ensino secundário aos 30 anos em 0,5% e 0,2% para homens e mulheres, respetivamente. Os efeitos negativos na educação são visíveis imediatamente após as crianças terminarem a escola primária e são maiores entre as crianças de famílias mais vulneráveis. Os autores mostram ainda que os impactos vão além de educação e mercado de trabalho. Especificamente, indivíduos mais expostos a greves de professores têm parceiros com menor escolaridade e menor rendimento familiar per capita. Finalmente, há efeitos intergeracionais significativos: filhos de indivíduos expostos a interrupções letivas devido a greves durante a escola primária também sofrem efeitos negativos na educação.
Num artigo mais recente, Jaume e Willen (2021) mostram que o encerramento temporário das escolas tem impactos negativos na participação no mercado de trabalho por parte das mães das crianças afetadas. Em particular, mães menos qualificadas e mães em que o parceiro esteja empregado enfrentam um menor custo de oportunidade de abandono da força de trabalho: uma mãe cujo filho esteja exposto a dez dias de encerramento temporário de escola sofre uma queda nos rendimentos mensais do trabalho equivalente a 3% da média. Os autores não encontraram efeitos entre os pais na população em geral, no entanto, os pais com rendimentos previstos menores do que seus cônjuges também sofrem efeitos negativos no mercado de trabalho. Finalmente, há uma redução do rendimento familiar.
Em suma, estudos quantitativos recentes sugerem que os efeitos do encerramento de escolas devido à pandemia se sentirão muito para além da geração atual. E estes efeitos poderão traduzir-se não só num agravamento negativo das desigualdades atuais entre crianças de diferentes estratos económicos, mas também na sua persistência para a geração seguinte.
Notas
[1] Para identificar o efeito das interrupções escolares induzidas por greves, Jaume e Willem usam o método de diferença-em-diferenças que examina como a educação e as medidas de desempenho do mercado de trabalho mudaram para adultos que foram expostos a mais dias de greves de professores durante a escola primária relativamente a adultos que foram expostos a menos dias de greves.
Referências
Aucejo, E. Jacob French, Maria Paola Ugalde Araya, Basit Zafar, 2020, The impact of COVID-19 on student experiences and expectations: Evidence from a survey, Journal of Public Economics, Volume 191.
Aucejo, E., Teresa Foy Romano, 2016, Assessing the effect of school days and absences on test score performance, Economics of Education Review, Volume 55, Pages 70-87.
Goodman, J., 2014, "Flaking Out: Student Absences and Snow Days as Disruptions of Instructional Time," NBER Working Papers 20221, National Bureau of Economic Research, Inc.
Hansen, B., 2011, School Year Length and Student Performance: Quasi-Experimental Evidence (October 20, 2011). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2269846 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2269846
Jaume, D. and Alexander Willén, 2019, The Long-Run Effects of Teacher Strikes: Evidence from Argentina, Journal of Labor Economics 37:4, 1097-1139
Jaume, D. and Alexander Willén, 2021, The Effect of Teacher Strikes on Parents, Revise and Resubmit, Journal of Development Economics
Quinn, D., & Polikoff, M., 2017, Summer learning loss: What is it, and what can we do about it. Washington, DC: Brookings Institution. Retrieved from https://www.brookings.edu/research/summer-learning-loss-what-is-it-and-what-can-we-doabout-it/.
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