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Responder a perguntas e receber feedback pode ajudar na aprendizagem, mas será esta estratégia benéfica para todos os alunos? Os que têm um nível de conhecimentos prévios mais elevado, numa dada área, podem beneficiar mais deste tipo de estratégias do que os restantes. Mais do que a capacidade de aprendizagem, a curiosidade parece ser um fator decisivo para compreender este facto. Ainda não sabemos qual destes efeitos precede o outro: será esta curiosidade resultado dos conhecimentos adquiridos na escola, ou, pelo contrário, é esta qualidade que leva os alunos a obter essas informações prévias? Não obstante, o benefício de proporcionar aos alunos uma sólida base de conhecimentos que pode ser usada no futuro parece ser inquestionável.

«A educação, portanto, mais do que qualquer outro meio ou instrumento de origem humana, é a grande igualadora das condições entre os seres humanos, o eixo de equilíbrio da maquinaria social.»

– Horace Mann, 1848

 

Apesar de a citação de Horace Mann, que classifica a educação como «a grande igualadora», ser bastante conhecida nos círculos da educação, por vezes, na aprendizagem nas escolas, «os ricos ficam mais ricos e os pobres, mais pobres». Está já demonstrado que algumas intervenções educativas parecem melhorar os resultados da aprendizagem não porque beneficiam todos os alunos, mas por favorecerem os alunos que já tinham bons resultados. Este fenómeno, por vezes referido como o efeito de Mateus, aumenta as diferenças entre os alunos com melhores e piores resultados, em vez de as diminuir e de proporcionar oportunidades que privilegiem toda a comunidade escolar. Uma nova investigação que analisou o efeito dos conhecimentos prévios na aprendizagem dentro de áreas específicas confirma este efeito de «enriquecimento dos mais ricos».

Num conjunto recente de experiências, Witherby e Carpenter (2021) investigaram se os conhecimentos anteriores dos alunos ajudavam a prever a aquisição de novas informações sobre um determinado assunto. Em três experiências, as investigadoras mediram o saber de estudantes universitários em dois temas independentes: futebol americano e culinária. Depois, os alunos aprenderam novas informações, respondendo a perguntas e recebendo, como feedback, as respostas corretas. É importante notar que os dados apresentados nas questões eram plausíveis mas falsos. Tal estratégia garantiu que os alunos não poderiam ter adquirido estes conhecimentos antes das provas, desse modo assegurando que as investigadoras estariam a analisar a aquisição de informação nova. Como era de esperar, os alunos raramente deram respostas acertadas. Depois de responderem, os estudantes recebiam feedback que lhes mostrava a resposta «correta», e teriam então de indicar quão certos estavam de que se lembrariam dessa resposta no futuro. Após esta fase de aprendizagem, as investigadoras avaliaram a aquisição de conhecimentos através de um teste no qual os alunos responderam às mesmas perguntas.

Nas três experiências, o nível de conhecimentos anteriores permitiu prever a nova aprendizagem, mas apenas na área específica que o aluno já dominava. Ou seja, quando os estudantes tinham mais conhecimentos prévios sobre futebol, mostraram-se mais aptos a aprender a nova (falsa) informação sobre o mesmo tema, mas não sobre culinária, e vice-versa. Uma vez que o conhecimento numa determinada área apenas previa a aprendizagem nesse mesmo campo, estes resultados indicam os estudantes com mais conhecimentos anteriores não são mais competentes na aprendizagem do que os que têm menos informação prévia.

As investigadoras também examinaram o tempo que os alunos passavam a rever o feedback dado, não encontrando diferenças entre os que tinham mais conhecimentos iniciais e os restantes. Assim, estudantes com diferentes níveis de informações previamente adquiridas demoraram, em média, o mesmo tempo a rever as respostas corretas. Este resultado indica que a atenção prestada ao material não foi o único fator a determinar a melhor aprendizagem para aqueles que já possuíam mais informação. Por fim, os resultados revelaram que os conhecimentos anteriores influenciaram a opinião dos alunos sobre os dados que recordariam mais tarde: aqueles com maior domínio prévio dos assuntos afirmaram que se lembrariam melhor da informação que desconheciam. Isto indica que os alunos poderão usar os seus conhecimentos iniciais como pistas para aferir quão competentes são na aprendizagem de novos conteúdos.

Mas porque é que os alunos com mais conhecimentos prévios numa determinada área aprenderam mais conteúdos relacionados com essa área do que os restantes? Os resultados da terceira experiência dão-nos algumas pistas. Nesta experiência, antes de receberem o feedback durante a fase de aprendizagem, os alunos indicaram quão curiosos estavam para saber a resposta correta a cada pergunta. As investigadoras descobriram que os alunos com mais conhecimentos prévios revelavam maior curiosidade. É importante notar que este efeito dependia da área em causa. Ou seja, o facto de possuírem mais conhecimentos prévios num dos temas (por exemplo, futebol) não predizia maior curiosidade noutra área (culinária). Claro que tanto os conhecimentos anteriores podem ter gerado a curiosidade sobre o assunto como essa maior curiosidade pode ter estado na origem da obtenção dos conhecimentos prévios. É necessária mais investigação para compreender estas relações complexas.

Estes resultados são consistentes com a ideia de que «os ricos ficam mais ricos e os pobres, mais pobres». Os resultados sugerem que, quando expostos a novos materiais durante a mesma quantidade de tempo, os alunos com um baixo nível de conhecimentos de base numa dada matéria tendem a aprender menos do que os que têm mais conhecimentos prévios. Outros estudos sobre o mesmo tema tinham já sugerido que os alunos com mais informações de base podem ser os que mais beneficiam de certas estratégias educativas. Por exemplo, numa investigação de 1992, Woloshyn e outros dois colegas mostraram que, comparados com alunos com menos conhecimentos prévios, os estudantes com altos níveis de conhecimentos de base beneficiavam mais do uso de elaboração interrogativa, uma estratégia de aprendizagem bastante eficaz, na qual os alunos criam perguntas começadas por «como» e «porquê» e depois tentam responder-lhes.

Apesar de muitos educadores, investigadores e pais verem a educação como «a grande igualadora», alunos que não dominem uma dada área do saber podem necessitar de mais apoio para construir os seus conhecimentos de base de modo a que possam beneficiar das mesmas estratégias educativas que beneficiam outros estudantes. Com isto, poderemos também prevenir o aumento deste fosso intelectual durante as aulas.

Referências

Witherby, A. E., & Carpenter, S. K. (2021). The rich-get-richer effect: Prior knowledge predicts new learning of domain-relevant information. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, and Cognition. Advance online publication. http://dx.doi.org/10.1037/xlm0000996

Woloshyn, V. E., Pressley, M., & Schneider, W. (1992). Elaborative-interrogation and prior-knowledge effects on learning of facts. Journal of Educational Psychology, 84(1), 115-124.

AUTORES

Ludmila D. Nunes é a diretora de conhecimento científico na American Psychological Association (APA). Doutorada em Psicologia pela Universidade de Lisboa, desenvolveu a sua investigação na área de Memória Humana e Aprendizagem na Washington University in St. Louis, na Universidade de Purdue, e na Universidade de Lisboa. 

Além da investigação, deu aulas de Introdução à Psicologia Cognitiva e de Memória Humana na Universidade de Purdue e foi revisora para várias publicações científicas. Até recentemente, foi escritora científica para a Association for Psychological Science (APS)

Megan Sumeracki (antes Megan Smith) é professora associada no Rhode Island College. Co-fundou o Learning Scientists, em janeiro de 2016, com Yana Weinstein, que já não faz parte da equipa.

Megan concluiu o seu mestrado em Psicologia Experimental na Universidade de Washington, em St. Louis, e o seu doutoramento em Psicologia Cognitiva na Universidade de Perdue. A sua área de especialização é a aprendizagem e memória humana, e aplicação da ciência da aprendizagem em contextos educacionais. A sua investigação centra-se nas estratégias de aprendizagem baseadas na recuperação, e a forma como as atividades que promovem a recuperação podem melhorar a aprendizagem na sala de aula. Tenta responder a questões como: Que formatos de práticas de recuperação promovem a aprendizagem dos alunos? Que atividades de práticas da recuperação funcionam melhor para diferentes tipos de alunos? E, porque é que a recuperação melhora a aprendizagem? Nos seus tempos livres, Meg faz crochet e recentemente começou um blog onde mostra os seus trabalhos. Também gosta de viajar, fazer caminhadas, acampar e de provas de vinho.

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