Que devem fazer os professores quando há alunos que não conseguem acompanhar a matéria, que não resolvem os exercícios, que aprendem num ritmo diferente? Há pretensas respostas que ainda agravam mais os problemas. O dito ensino individualizado, por exemplo, pode ser prejudicial. Mas há um modelo pedagógico de resposta à intervenção que é eficaz para a educação diferenciada.
O ensino diferenciado é uma abordagem pedagógica que tem em conta a heterogeneidade dos alunos. A maior parte da literatura sobre ensino diferenciado apresenta uma perspetiva construtivista ou socioconstrutivista. Esta abordagem pedagógica não foi comprovada de modo empírico. Jobin e Gauthier afirmaram em 2008 que «ainda não se encontrou o significado universal deste conceito [educação diferenciada], e o mesmo acontece com os seu método de aplicação». Isto é semelhante ao que Kershner e Miles concluíram em 1996: «Acreditamos que este termo é como um sabonete: tentamos agarrá-lo e escapa-se logo das nossas mãos.» Existem ainda assim abordagens diferentes e de bases científicas mais sólidas à educação diferenciada, como o modelo de resposta à intervenção.
A diferenciação na sala de aula
Há uma preocupação válida no ensino que os professores expressam com frequência do seguinte modo: o que fazer com alunos que não conseguem compreender a matéria, que têm sempre dificuldade, que nunca terminam os exercícios? Como lidar com alunos que aprendem a uma velocidade diferente? Como se promove o êxito de todos?
Não existe nenhuma solução miraculosa para este problema, mas isso não significa que não haja nada a fazer. Vários sistemas de ensino veem na educação diferenciada uma forma de garantir que a heterogeneidade dos alunos é tida em conta na persecução do sucesso académico para todos.
No Quebeque, o Ministério da Educação propôs em 2021 a aplicação generalizada de um ensino diferenciado assente na «flexibilidade pedagógica» assim definida:
A flexibilidade pedagógica […] no ensino básico e secundário é a principal forma de educação diferenciada e é aplicável a todos os alunos. Respeitada diariamente, esta flexibilidade dá aos alunos inúmeras possibilidades, tanto no que diz respeito à escolha das diferentes matérias e planos de estudo como dos vários processos e projetos individuais.
Ainda assim, as teorias que inspiraram o Ministério da Educação do Quebeque a recomendar aos professores um modelo de flexibilidade pedagógica não saíram em publicações científicas com revisão de pares, nem obtiveram resultados positivos das práticas de diferenciação que preconizam.
A diferenciação pode ser mal interpretada e ter consequências perigosas, como a alteração dos programas e dos seus objetivos com base nas limitações e interesses dos alunos.
Outra forma de diferenciação bastante popular é o desenho universal de aprendizagem. No entanto, a meta-análise feita por Matthew em 2017 concluiu que este método não se reflete nos resultados dos adultos. Os princípios de estilos de aprendizagem e de inteligências múltiplas também integram as recomendações do ensino diferenciado. Apesar de célebres, nenhuma destas teorias se baseia em provas concretas e foram até consideradas erradas, como apontado por Baillargeon ou Tricot.
Além disso, a diferenciação pode ser mal interpretada e ter consequências perigosas, como a alteração dos programas e dos seus objetivos com base nas limitações e interesses dos alunos. Assim, ao invés de reforçar a instrução para alunos com dificuldades, as escolas e os professores são impelidos a descer a fasquia e encurtar as metas, o que se chama instrução individualizada. Isto reforça decerto as limitações dos piores alunos, que por norma pertencem a contextos desfavorecidos.
O ensino diferenciado é um processo controverso
Tal como descrito por Bissonnette, Richard e Gauthier, a pedagogia diferenciada tem sem dúvida boas intenções. No entanto, em educação, recomendam-se muitas vezes inovações pedagógicas em larga escala sem o apoio firme da comunidade científica. Jobin e Gauthier fizeram, em 2008, um estudo aprofundado da investigação que mediu os resultados do ensino diferenciado. Ambos os trabalhos concluíram o seguinte:
Assim, podemos afirmar que, de acordo com a nossa investigação, o ensino diferenciado tem hoje pouco ou nenhum apoio científico, e a prescrição desta modalidade pedagógica em larga escala, como acontece no presente, tem por base provas de eficácia muito débeis.
Esta afirmação não significa que se devam ignorar as necessidades educativas especiais de alguns alunos, mas que as intervenções devem ser diferenciadas com base em fundamentos científicos. Esta é a melhor forma de aumentar a probabilidade de êxito desta abordagem. Partindo deste ponto de vista, que tipo de intervenção funcionará melhor? A investigação mostra que o ensino diferenciado resulta se variar a intensidade e a frequência da abordagem pedagógica com base nas necessidades dos alunos, mas sem alterar a abordagem pedagógica em si. Este tipo de instrução eficaz é conhecido por modelo de resposta à intervenção ou modelo de intervenção escalonado. Observemos a alfabetização de crianças alófonas no Quebeque, alunos não nativos do inglês nem do francês que aprendem a língua francesa na escola.
Resposta à intervenção: uma abordagem eficaz
A resposta à intervenção é um modelo pedagógico que procura prevenir as dificuldades de aprendizagem.
A resposta à intervenção inclui práticas de avaliação e intervenção num sistema de prevenção escalonado que procura melhorar o aproveitamento dos alunos e reduzir os problemas de comportamento. [Para tal,] as escolas recolhem informação que lhes permite identificar alunos em risco, controlar o progresso dos alunos, proporcionar intervenções com bases científicas, ajustar o grau e a natureza dessas intervenções com base nas respostas dos alunos, e também identificar alunos com dificuldades de aprendizagem e outras [de comportamento, por exemplo]. (National Center on Response to Intervention, 2010, p. 2).
Desde 2003, mais de 40 mil imigrantes chegam todos os anos ao Quebeque. O Ministério da Educação estima que cerca de metade não fale francês. Em 2006, o Ministério da Educação, Lazer e Desporto desenhou o enquadramento sociocultural dos alunos pertencentes a famílias imigrantes entre 1994 e 2002. O Ministério da Educação caracteriza estes alunos, conhecidos pela sigla inglesa SIB, como crianças que «não nasceram no Canadá (primeira geração) ou que nasceram no Canadá de um progenitor que nasceu fora do país (segunda geração), ou cuja língua materna não é o inglês nem o francês». Quando se debruçou sobre as dificuldades académicas, esta análise concluiu que 16,7% dos alunos têm dificuldades de aprendizagem. No caso dos imigrantes, a percentagem de alunos com dificuldades subia para os 19,1%, e 31,8% dos que pertencem a este grupo são da primeira geração.
Dada a importância da literacia no êxito académico, é fundamental encontrar as melhores estratégias pedagógicas para promover a literacia nos alunos cuja língua de estudo difere da língua materna. Nesse sentido, Richard, Bissonnette e Gauthier fizeram em 2008 uma revisão da literatura científica em busca dessas estratégias.
Dois resumos científicos ajudaram-nos a identificar essas estratégias pedagógicas: o relatório que o Painel Nacional de Literacia elaborou sobre as crianças e jovens de idiomas minoritários, publicado em 2006, e o guia prático do professor Eficaz Alfabetização e Ensino da Língua Inglesa, publicado no ano seguinte. Apesar de esta investigação ter sido feita nos Estados Unidos, com o inglês enquanto segundo língua como objeto de estudo, o paralelismo com os resultados da investigação sobre o progresso da alfabetização em França permanece elevado, como apontado por Brodeur e outros.
A principal conclusão no relatório do Painel Nacional de Literacia é que o reforço da instrução nos principais componentes da leitura é muito favorável ao desenvolvimento da literacia em alunos de uma segunda língua. É importante relembrar que este painel identificou em 2000, tendo por base amplos dados, os elementos fundamentais das técnicas de prevenção das dificuldades de aprendizagem na leitura do pré-escolar ao terceiro ano.
São técnicas formais [instrução explícita] que promovem a aprendizagem ou o desenvolvimento da compreensão fonológica, capacidade de descodificação, fluência na identificação de palavras e processamento de texto, estratégias de compreensão, vocabulário, grafia e competências de escrita. (Brodeur et al., 2008, p. 11)
Como referido pelo Painel Nacional de Literacia, a instrução explícita de elementos fundamentais à leitura parece ser tão importante numa segunda língua como na língua materna. Assim, uma instrução explícita que incida sobre os componentes essenciais da leitura no ensino regular é uma estratégia que promove o desenvolvimento da literacia em alunos alófonos. É uma intervenção preventiva universal que pertence ao primeiro escalão do modelo de resposta à intervenção.
Contudo, e apesar da eficácia desta estratégia, a avaliação regular do progresso dos alunos alófonos é fundamental. Os estudos consultados indicam que, para estes alunos beneficiarem por completo destas práticas, são necessários ajustes, tal como apontado por Richards e outros em 2008:
Assim, para que consigam aprender a ler e a escrever numa segunda língua, os alunos precisam, por um lado, de que a sua instrução respeite diferentes estratégias de literacia de modo mais claro e mais intenso. Por outro lado, e em simultâneo, os professores também têm de promover o desenvolvimento de capacidades linguísticas nos alunos alófonos.
A saber, o desenvolvimento de capacidades linguísticas baseia-se no ensino sistemático de vocabulário, condição prévia para diversas atividades, e na instrução explícita da linguagem corrente da escola.
Explicar o significado de palavras, definir conceitos a fundo e educar, ao longo do dia, as crianças na essência de palavras e frases do quotidiano são tudo exemplos de ensino sistemático de vocabulário. No que diz respeito a intervenções explícitas sobre a compreensão da linguagem corrente da escola, os professores devem garantir que todos os alunos alófonos conhecem o significado da linguagem usada nos manuais.
O desenvolvimento de capacidades linguísticas baseia-se no ensino sistemático de vocabulário, condição prévia para diversas atividades, e na instrução explícita da linguagem corrente da escola.
Comparado com o francês do quotidiano, o francês académico é a linguagem corrente da escola, de disciplinas académicas, livros e manuais, e, por consequência, do discurso lógico. É uma linguagem mais abstrata e descontextualizada que o francês usado por norma numa conversa. Por exemplo, termos comuns como «fator» ou «potência» ganham significado específico no contexto da matemática. (Richard et al., 2008, p. 47)
Logo, o desenvolvimento de capacidades linguísticas em alunos alófonos será potenciado por instrução explícita de linguagem académica seguindo o primeiro nível de um modelo de resposta à intervenção. É importante referir que, durante uma aula com instrução explícita, os professores podem diversificar as oportunidades de aprendizagem dos alunos com várias atividades de estudo orientado, o que dará aos alunos um apoio mais sólido antes da prática independente.
No entanto, e apesar da implementação das várias medidas referidas, as dificuldades sentidas por alguns alunos requerem uma intervenção de segundo nível. Uma avaliação regular do seu progresso permitirá identificar quem precisa de maior diferenciação do ensino. Como referiu Brodeur, no segundo escalão, os professores regulares ou os professores de apoio trabalham com alunos para os quais o primeiro nível de intervenção não é suficiente, criando pequenos grupos de quatro a oito crianças que apresentam deficiências ou dificuldades semelhantes. As intervenções são explícitas, intensivas e dirigidas às dificuldades dos alunos. Por fim, as intervenções de terceiro nível são oferecidas a alunos com dificuldades constantes. Neste escalão, os professores de apoio intervêm com aulas particulares ou para grupos muito pequenos (dois ou três alunos) que se dedicam de forma evidente às necessidades específicas dos alunos.
Este modelo de intervenção em três escalões dá aos alunos alófonos cenários de aprendizagem diferenciada em frequência, intensidade e necessidades particulares, integrados num modelo educativo claro.
Este modelo permite um acompanhamento constante do progresso dos alunos e das respostas à intervenção, bem como uma avaliação sistemática da aprendizagem no sentido de ajustar as intervenções para colmatarem as suas necessidades de um modo mais eficaz. (Brodeur et al., 2008, p. 12)
Tran e a sua equipa concluíram em 2011 que a eficácia deste modelo em três escalões foi comprovada. Citando Brodeur, é um bom exemplo de intervenções educativas de base científica que se mostraram eficazes em diferentes contextos: na leitura, na escrita e na matemática.
Conclusão
Tendo por base a sua síntese da investigação, Jobin e Gauthier defendem que o ensino diferenciado se aproxima mais de uma máxima apelativa do que de um modelo de base científica que mereça aplicação. No entanto, um recente meta-análise do levado a cabo por Deunk e a sua equipa em 2018 concluiu que as práticas de diferenciação mais eficazes são as que agrupam temporariamente os alunos com base no seu nível académico, não obstante o sistema generalizado de intervenção escolar defender uma ação mais rigorosa em alunos com dificuldades, tal como o sistema de resposta à intervenção. Ensino diferenciado, sim, mas assim, não!
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